Diário na enfermaria (6)
Ouvi os passos chegarem pelo corredor, de manhã cedo, e inventei um desígnio, como as crianças na véspera do Natal: "Se for a enfermeira espanhola é porque tenho alta".
Meio a sonhar, voltei ao Verão e à travessia da Ria Formosa no barco de pescadores. É fim de tarde e toda a vida parou. O céu parou, a brisa desapareceu, só o barco se move na paisagem imóvel. Na proa, uma mulher excessiva de forma e cores olha para a ilha que se afasta e diz, alheada de tudo: "Bendita seyas, ó playa. Como te desfruté!" (e é desfru-TÉ que ela diz).
Nos últimos passos da enfermeira só me ocorre aquela gratidão andaluza pelo que está vivo e dá prazer. Não tenho ainda coragem de abrir os olhos até ouvir a voz perto de mim: "Bom dia, princesa! Vamos medir a tensão, my reyna?". Adeus, enfermaria, estou fora.