Três dias sem televisão
Três dias sem televisão. Aproveito para ler um romance fabuloso, passado no norte de África, nos turbulentos dias do pós-guerra: O Céu que nos Protege, de Paul Bowles. Prosa envolvente, magnífica, com o deserto do Sahara em hipnótico pano de fundo. Há muito que não descobria um escritor assim, que me agarrasse tanto e me fizesse devorar tantas páginas. Esquecido do mundo, esquecido do tempo.
Com parágrafos como este: “Olhou para fora, para o vazio varrido pelo vento. A lua escondera-se atrás da aresta aguda da terra. Ali, no deserto, ainda mais do que no mar, ela tinha a impressão que estava sobre uma grande mesa, que o horizonte era a beira do espaço. Imaginou um planeta em forma de cubo, algures sobre a terra, entre esta e a lua, para a qual de alguma maneira tinham sido transportados. A sua luz devia ser difícil e irreal como ali, o ar devia ter a mesma secura extrema, aos contornos da paisagem faltariam as reconfortantes curvas terrestres, exactamente como ao longo de toda aquela vasta região. E o silêncio seria último, definitivo, deixando lugar apenas ao som do ar que passava. Ela tocou a vidraça; estava fria, gelada. A camioneta seguia aos solavancos ao longo do planalto.”
Admirável tradução de José Agostinho Baptista, excelente edição da Assírio & Alvim. Ler um livro destes, tão arrebatador, é um imenso prazer. Ainda bem que tive a TV avariada. Oxalá o arranjo não dure muito...