quinta-feira, julho 26, 2007

Ontem, no Coliseu

«Apesar de escrever as suas canções, ela é essencialmente uma intérprete, ou seja, não se entrega emocionalmente, não está ali para grandes catarses», escreve o Pedro Mexia sobre Aimee Mann, a propósito do concerto onde nos encontrámos ontem. Eu, que tinha comigo um par de binóculos, confirmei: Os olhos de Aimee são de um azul gelado e opaco mas o público portou-se como o Pedro tão bem descreve, começando a festa mesmo antes dos primeiros acordes. Nós somos assim, gostamos de gritar a quem amamos os nossos sentimentos, correspondidos ou não. A certa altura, divaguei e dei um salto quântico mental, inexplicável porque não racionalizável na sua causa. Recordei o concerto de há sei lá quanto anos de Joan Baez, no Pavilhão de Cascais, uma das poucas vezes em que senti vestígios de agorafobia, tal era a multidão. Dei por mim a pensar se Aimee seria a Joan Baez de hoje, ultrapassada que foi a mensagem política e o «sentimento do colectivo» da segunda pela partilha emocional e individual da primeira. Mas não me parece. Faltou, para isso, a emoção. Aimee está aos 46 anos com a voz numa condição excepcional. Só assim pôde prescindir da parafernália cénica e apoiar-se apenas nas suas guitarras, num baixo, teclas e bateria (cujo som, estranhamente, me surgia vindo do lado oposto ao palco). A voz, dizia eu, foi quase magnífica. E digo quase porque Aimee parecia estar, se não feliz, pelo menos satisfeita consigo e com a vida. No passeio do S. Jorge, tinha encontrado antes «um dos casais mais badalados do momento » prestes a entrar na ante-estreia dos Simpsons e o PRD classificara-me a música de Aimee Mann como «depressiva». Não foi. Talvez devesse ter sido. Pessoas como eu e o Pedro Mexia necessitamos de angst como de pão para a boca. É ao ouvir canções «depressivas» que nos lembramos de como não estamos sózinhos.

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