sábado, julho 07, 2007

Cinco leituras de Verão


Desafiam-me quase em simultâneo o Carlos Manuel Castro e o Pedro Picoito para indicar aqui as minhas últimas cinco leituras. Um desafio a que acedo com gosto. Aqui vai:
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1. PROVA DE VIDA (Tinta da China). Pedro Mexia reúne aqui os textos publicados em dois blogues - incluindo o actual, Estado Civil. Uma prova evidente, para além da confirmação do talento do autor, de que a blogosfera pode ser (e é, em muitos casos) semente de excelentes textos literários. Um pouco à semelhança do que ocorria há uns anos, com os suplementos culturais dos jornais, entretanto extintos. Escritos com frequência para consumo imediato, estes textos resistem com êxito à mais dura das provas: a prova do tempo.
2. ALEXANDRE O'NEILL - UMA BIOGRAFIA LITERÁRIA (Dom Quixote). Quem dizia que os portugueses não gostam de biografias? O bom acolhimento desta obra demonstra precisamente o contrário. Maria Antónia Oliveira levou anos a investigar os mais diversos aspectos relacionados com o escritor (não se esgotando na sua faceta "literária", longe disso). Valeu a pena o esforço: O'Neill surge aqui num retrato muito completo, que nos desvenda o homem complexo e torturado que se ocultava sob a capa de um singular criatividade, tanto na prosa como na poesia. Um livro muito interessante. E muito bem escrito.
3. A FACE DA GUERRA (Dom Quixote). Os leitores portugueses passam enfim a ter acesso a alguns dos melhores textos jornalísticos do século XX, assinados por Martha Gellhorn como repórter de guerra. Martha foi a terceira "senhora Hemingway": o autor de Por Quem os Sinos Dobram alimentou uma feroz rivalidade com ela, julgando-se superior como repórter. Não era, como documentam estes textos, indispensáveis a todos os jornalistas, mesmo aos que nunca frequentaram palcos de guerra. "Quando era jovem acreditava na perfeição do homem e no progresso, e encarava o jornalismo como uma luz orientadora", escreveu ela (aos 50 anos) na primeira introdução à obra, em 1959. A realidade encarregou-se de desfazer muitas destas ilusões.
4. A HARPA DE ERVAS (Círculo de Leitores). Uma novela de Truman Capote, ainda dos seus anos de aprendizagem como escritor de primeiro plano que viria a ser. Mas já aqui se detectam claros indícios do grande fôlego que revelaria em obras lapidares, como A Sangue-Frio e Música para Camaleões. "A infância é o grande tesouro de um escritor", dizia Graham Greene. A prova está bem evidente nesta nostálgica digressão de Capote pelos seus verdes anos - a única época da sua vida em que foi feliz. A tradução, sem dúvida "datada", de Cabral do Nascimento não retira brilho nem fascínio ao texto original.
5. O DIABO NÃO DORME (Minerva). Romance de Pearl S. Buck, com a chancela de uma velha editora: comprei-o há um mês, a preço de super-saldo, na Feira do Livro de Lisboa. Desta obra de 1962, logo editada em Portugal, fez-se um filme com William Holden. É uma trama que nas mãos de outro autor daria pano para mangas: dois padres católicos em confronto com guardas vermelhos na asfixiante China de Mao. Mas a senhora Buck, com o seu zelo missionário, não consegue levantar voo nesta história que se lê bem mas sabe a conto para crianças: ficamos com um sorriso nos lábios e a certeza de que na vida real nada se passaria assim. Excelente tradução de Eduardo Saló num tempo em que os livros apareciam ao público sem uma única gralha. Tempos que já lá vão...
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Para manter as regras do jogo da blogosfera, aqui lanço o repto a outros bloguistas, na expectativa de que também nos revelem as suas mais recentes cinco leituras: a Leonor Barros e a Nancy (da Geração Rasca), o Vítor Matos (Elevador da Bica), o Leonardo Ralha (Papagaio Morto) e o José Medeiros Ferreira (Bicho Carpinteiro). De acordo?
Foto: Martha Gellhorn (1908-1998)