Ainda o tributo a Hergé
Quero prestar também aqui a minha homenagem a Hergé. Discordo apenas do João Villalobos quando mistifica a versão “animada” de Tintim que foi para mim uma autentica desilusão, um susto, uma afronta ao meu imaginário. É que a mim puseram-me um álbum do Tintim nas mãos antes sequer de eu saber o meu próprio nome. Afinal não fui eu que lhe dei voz e movimentos? Até fui eu que inventei as tramas, enquanto folheava atento os livros ainda sem saber ler... O Tintim na TV chocou-me desde logo com a veleidade daquela animação tão deficiente e a histérica dramatização daqueles guiões sempre simplificados. Fiquei definitivamente enciumado com a exposição pública e banalização do meu herói. Quase desde o berço que passeei por dentro daqueles quadradinhos, daquelas histórias e mistérios. Lembro-me das horas estáticas, de pernas cruzadas, em puro deleite passadas diante da ultima prancha do álbum Carvão no Porão, aquele insólito e colorido rally nos jardins de Moulinsart. As horas passadas em êxtase, fisgado num só quadradinho, invejando o pequeno carro vermelho do rebelde Abdallah em No Pais do Ouro Negro. Hergé deu-me os meus melhores amigos de toda a infância, de quem aliás fui íntimo. Com o Tintim e Milou fui crescendo e lutei contra os sovietes e contra a máfia. Ajudei a libertar os escravos e lutei contra o tráfico de droga. Fui também à lua, onde ia perdendo os meus amigos todos e não salvei o Engº Wolf de uma heróica morte. Planei arrastado por um condor pelas encostas dos Andes. Tremi de medo e gelei de frio a caminho do Tibete, num hino à generosidade. Comovi-me com o cão mais simpático do mundo, ri-me com os excessos do bêbado mais divertido de todos, o Capitão Haddock. Ao Hergé ficarei sempre grato pelos amigos que me proporcionou. Hergé será por certo responsável por muitas das mais felizes horas da minha infância, e por isso ser-lhe-ei sempre grato.