segunda-feira, fevereiro 12, 2007

O referendo, o aborto e a abstenção

Não posso deixar de dizer que foi com alívio que encarei os resultados do referendo. Ao contrário da Isabel, votei 'sim', embora não tenha a certeza da Inês sobre o passo em frente na democracia e nas mentalidades. Em Portugal, quando as luzes mudam de direcção, a realidade retoma o seu lugar no medo, no silêncio e na ignorância. Espero que não. Espero que este seja o primeiro avanço no caminho para o fim das histórias sórdidas e dos relatos aterradores do aborto clandestino.
Não tenho por hábito ver o mundo e as pessoas a 'preto e branco'. E sei que a vitória do 'sim' não resolve tudo. Não resolve as angústias, nem os dilemas das mulheres. Não apaga a dor, não evita leviandades ou os bebés enjeitados, deixados no lixo. A falta de amor não se resolveu ontem. No entanto, apesar de saber tudo isto, votei 'sim'. Por saber que até os fortes fraquejam, até os bons cometem erros. E por ter a impressão que me faltam as convicções e a solidez de espírito para estar com o 'não' nas suas certezas sobre a vida e a morte.
O referendo, contudo, não foi só uma questão de 'sim' e 'não' à despenalização do aborto até às dez semanas. Foi um teste à participação na qual chumbaram os cidadãos. Já li e reli opiniões. Ponderei as teorias sobre o significado implícito da abstenção e a ideia que, na verdade, os eleitores não quiseram que esta consulta fosse vinculativa. Devo dizer que me espantaram. A minha versão dos acontecimentos é mais terrena e não entra em segundos sentidos, nem sequer culpa os políticos, o Governo e o primeiro-ministro. 56 por cento não votou porque não quis, porque não se interessa. E isso é um sinal de quem abdica dos seus direitos.
Quase juro (a expressão é forte, eu sei) que entre os que ficaram em casa porque estava chuva estão muitos daqueles fala-baratos que fazem e acontecem e acusam 'eles' - os políticos - de tudo. De roubar, de mentir. Os mesmos que, quando convocados, deixam que os outros decidam, que 'eles' decidam.

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