segunda-feira, janeiro 15, 2007

Sem título


O meu pai pediu-me um dia para ser enterrado num simples caixão de pinho, sem coroas de flores, apenas violetas.
Ainda vive, o meu pai. Espero que por muitos anos. Não sei o que lhe deu para expressar de forma antecipada a sua última vontade, mas já dei por mim procurando violetas nas visitas aos mercados e posso dizer-lhes que não são fáceis de encontrar e não sei sequer qual a época em que florescem (talvez a Morte respeite a sincronicidade e, quando o meu pai morrer, existam violetas frescas à minha espera, naquelas floristas rodeadas de cores esbatidas pelo sol, em postura de sentinela, à entrada dos cemitérios).
Recordo-me de quando ele cantava para mim o fado da menina «bela com o seu ar namoradeiro» que apregoava raminhos no Chiado, passeando aí o dia inteiro. E interrogo-me se não haverá em todo este violáceo despojamento um amor antigo também por enterrar. Não lhe perguntei. Duvido que lhe pergunte. A minha tarefa não é tão simples quanto parece, mas hei-de cumpri-la: Violetas e um caixão de pinho.

Em jeito de partilha para o meu grande amigo Paulo Cunha Porto, que perdeu o pai e o chorou como os Homens o fazem.