segunda-feira, janeiro 29, 2007

A obra e o criador

Sim consumada a obra sobram rimas/
pois ela é independente do obreiro/
no deitar a língua de fora, no grande manguito aos Autores/
é que se vê se a obra está completa/

Mário Cesariny

Há dias, a propósito da morte do Cesariny, alguém defendeu em conversa comigo que a obra é sempre maior que o criador porque o criador desaparece e a obra fica. Mas achei que era um argumento pobre, que não vai à essência. O que eu descubro nestes versos do Cesariny é outra coisa. Sim, a criação, completa, torna-se independente do autor. Autónoma. Destacada. Outra. Pode assemelhar-se ou ser completamente diferente dele(a), mas seguramente liberta-se (deita a língua de fora e faz manguitos). Assim, manifesta em si mesma que o autor(a) agiu por algo maior (tenha ou não consciência disso). Mas isso não nos permite dizer que a obra é, por si mesma, maior que o criador(a). Isso seria uma “coisificação” da arte. A arte só é grandiosa na medida em que se reporta a algo mais que ela, porque não é ela que é eterna, é aquilo que ela diz. E para mim, o que a “obra consumada” diz é Deus.