Saudades de Goa
O reencontro com a História proporcionado com a recente deslocação de Cavaco Silva a Goa fez-me lembrar a emoção que eu próprio senti ao desembarcar no aeroporto de Dabolim, em Dezembro de 1994 – 33 anos após a invasão da antiga jóia da coroa portuguesa pelas forças da União Indiana. Cerca de 50 mil lusofalantes vivem ainda em Goa, Damão e Diu, onde se nota um interesse crescente por tudo quanto tem a ver com Portugal. Não o Portugal de antanho, alvo de devotos saudosistas, mas o Portugal contemporâneo, centro difusor de vultos da cultura e de talentos futebolísticos. A carreira de Cristiano Ronaldo, por exemplo, tem sido seguida com imenso interesse pelos jovens goeses, nascidos muito após a nossa expulsão das terras a que Vasco da Gama aportou em 1498. Na capital indiana, infelizmente, há ainda quem franza o sobrolho à simples menção do nome de Portugal, que também encontra algumas resistências muito minoritárias na própria Goa. Mas os laços de sangue que lá deixámos subsistem. Subsiste a religião católica, que os goeses professam convictamente. Subsistem leis, nomeadamente parte do nosso Código Civil de 1867 (entretanto revogado em Portugal já após a invasão) e do nosso Código Penal. E há o peso da História, inapagável. Goa, Damão e Diu permanecem ligados a Portugal através dos naturais do ex-Estado da Índia que aqui residem e que mantêm estreitos elos com os familiares de lá. Nenhuma vontade discricionária de Nova Deli consegue alterar isto. Não admira, pois, que Cavaco e a sua comitiva se tenham sentido em casa ao chegarem a Pangim: foi essa a sensação que também tive. E que me comoveu profundamente. Ao ver a sede do Sporting Club de Goa – sucursal do meu clube. Ao ouvir jovens conversar na rua em português. Ao jantar na casa de uma típica família goesa, no bairro das Fontainhas, onde a marca lusa permanece incólume e os vizinhos comunicam de quintal para quintal no nosso idioma. Ao escutar os apelos insistentes para que lhes enviássemos música portuguesa – fado, em particular. A política centralista da Índia impedia na altura a importação de produtos como o vinho, o azeite ou o bacalhau de Portugal. Exactamente como sucede agora. E no entanto, no Consulado-Geral de Portugal em Goa, o então cônsul António Tânger não tinha mãos a medir na emissão de passaportes. Mesmo que não tencione viajar para Lisboa, o goês gosta de possuir ainda um documento emitido pelo Estado português que lhe confere a nossa nacionalidade. Meio milénio depois, tantos traumas históricos depois, Portugal é mais do que sinónimo de saudade naquelas paragens: é uma ponte permanente com outros mundos. A verdade é esta: por onde passámos, deixámos marca. Uma certa doçura de vida, uma certa bonomia de costumes, um certo sopro de aventura que transportamos nos genes e jamais se apagará.