Estrelas de cinema (3)
20, 13 ****
Norte de Moçambique, noite de Natal de 1969. No auge da guerra, a consoada costumava ser um período de tréguas entre o exército português e a Frelimo. Não foi assim naquelas horas em que todas as emoções vieram à superfície: a guerrilha atacou em força, sobressaltando os militares portugueses aquartelados nesse mato do fim do mundo, enquanto um drama paralelo se desenrolava na caserna, espaço concentracionário onde ao curso da guerra se somava a tensão sexual que redundaria em tragédia. O realizador Joaquim Leitão e o produtor Tino Navarro oferecem-nos uma obra memorável – a primeira a abordar os fantasmas do conflito colonial sem os estafados lugares-comuns da praxe, sem contrabando ideológico nem ladainhas politicamente correctas: 20,13 tem uma trama muito bem arquitectada e desempenhos notáveis, reunindo talvez a melhor galeria de actores secundários de um filme português. As cenas de “acção” são credíveis, os diálogos não soam a falso, até os sotaques – pormenor sempre descurado nas fitas lusas – são bem trabalhados: é possível ouvir um minhoto, um alentejano ou um ilhéu com as pronúncias de origem, sem o habitual tom declamatório que não convence ninguém. E há ainda um tabu que se desfaz: a homossexualidade na instituição militar. Tema aqui abordado com rara sensibilidade e notável subtileza - nada muito distante de Reflexos num Olho Dourado, a obra-prima de John Huston, baseada na novela homónima de Carson McCullers, que propiciou a Marlon Brando um dos melhores desempenhos da sua carreira.
Houve por cá quem torcesse o nariz ao filme? Claro que sim: certos “críticos” continuam a não perdoar os realizadores capazes de prender a atenção dos espectadores com a narração de uma boa história. Pior para eles: produções como esta revelam que o cinema português está a mudar, reconciliando-se com um público que nunca devia ter afugentado.