O Plano B
Li e ouvi algumas análises sobre a nova estratégia da Casa Branca para o Iraque e, na maioria dos casos, surgia uma curiosa lenda: os Estados Unidos comportam-se de forma tão estúpida que nada daquilo faz sentido.
O pressuposto aparece em comentários tão díspares como o de Pulido Valente, no Público (sem link) ou nas reflexões de Daniel Oliveira, no Arrastão. Também já se ouviu na TV.
A meu ver, a teoria da estupidez americana impede uma boa análise dos factos e, acima de tudo, confunde erros políticos com acções descabeladas. Os EUA falharam o seu plano A para o Iraque e já estão a combater o plano B, que tiveram de improvisar. Ou seja, estamos perante o caso clássico de um império que tenta reparar uma situação aparentemente desesperada.
Em primeiro lugar, é preciso compreender o essencial. A estratégia americana visa desde o início criar um ambiente favorável aos interesses ocidentais na região do Golfo Pérsico. Que interesses são esses? O suave fluxo de matérias-primas energéticas. A Civilização Ocidental depende inteiramente do petróleo do Golfo: A Arábia Saudita produz nove milhões de barris diários, o Irão mais seis milhões e o Iraque tem potencial para cinco ou seis, embora produza menos de três milhões. Há mais países na região a produzir gás natural e petróleo. Enfim, a zona é responsável por 25% do abastecimento mundial de petróleo e, dentro de dez anos, algo próximo de um terço.
Claro que, no plano retórico, o Iraque devia tornar-se uma radiosa democracia. Mas esta era uma espécie de cereja em cima do bolo.
Saddam Hussein começou a sua carreira como nacionalista árabe, foi depois um combatente da Guerra Fria. Em ambos os casos teve enorme sucesso, no entanto nunca se adaptou à nova ordem mundial, nos anos 90. Em vez disso, tentou tornar-se um líder hegemónico na região. Talvez devido a excesso de confiança ou por temerem genuinamente as ambições do ditador iraquiano, os EUA decidiram abandonar a sua política tradicional para o Golfo, que se baseava na manutenção de um sistema de equilíbrio de poder entre três potências, com pelo menos duas pró-ocidentais. Arábia Saudita, Iraque e Irão deveriam manter-se mais ou menos idênticas, sem nenhuma delas a conseguir ameaçar as duas outras, e sobretudo sem coligações de duas hostis à América.
O sistema funcionou até ser perturbado por um Saddam que acreditava poder ser o dono da região.
Como os três últimos anos comprovaram, ao removerem o ditador iraquiano, os EUA não conseguiram manter o sistema de três potências. Este foi o erro político.
É à luz desta lógica que podemos interpretar os actuais desenvolvimentos. O Iraque vai desaparecer e a estratégia americana é já a de conseguir que essa fragmentação ocorra com o mínimo de derramamento de sangue e, sobretudo, que ela não perturbe o normal fluxo de petróleo do Golfo.
A entidade curda funciona já de forma praticamente independente. Terá petróleo, mas também o problema do isolamento geográfico. Penso que irá depender de uma boa relação com a Turquia e com os Estados Unidos.
A entidade xiita, a sul, está em formação. Precisará dos americanos para não cair totalmente nos braços do Irão. Tem petróleo. Será uma teocracia governada pelos Ayatollahs mais respeitados.
A entidade sunita está ainda indefinida. Poderá nascer radicalizada ou regressar a uma ditadura do partido Baas. Tem pouco petróleo e precisa de uma boa ligação à Síria, pois não me parece que lhe sirva a protecção da Arábia Saudita.
O Plano B, a fragmentação do Iraque, parece assim ser pouco favorável aos interesses americanos e ocidentais, mas o problema é que não existe outra possibilidade.
Será difícil que a partilha ocorra sem grande derramamento de sangue. Mas, se a divisão for rápida e sangrenta, como querem os democratas dos EUA, os soldados estarão de volta a casa dentro de um ano. Isso, claro, também dependerá do Irão e da Arábia Saudita.
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