Portugal ao espelho
Por ironia da ordem alfabética, um tal Hélio Pestana, de 21 anos, surge entre os nomes ilustres de Gil Vicente e do Infante D. Henrique na lista dos cem grandes portugueses divulgada pela RTP, a partir de uma votação efectuada pelos espectadores do canal. Em que se distinguiu o menino? A televisão pública esclarece: “Actor de novelas da TVI.” É um perfeito sinal dos tempos: a hierarquia dos valores dilui-se na espuma mediática e na progressiva falta de memória, aliás encorajada de vários quadrantes. E se esta escolha ainda pode ser justificada pela militante devoção do clube de fãs do imberbe actor, já os paizinhos e avozinhos desses putos, mesmo com idade para terem juízo, fizeram escolhas quase tão disparatadas como aquela.
Exagero? Talvez não. Este “top cem” inclui António Variações, Catarina Eufémia, Cristiano Ronaldo, a fadista Mariza, Ricardo Araújo Pereira e o general Vasco Gonçalves, além da obscura Maria do Carmo Seabra, que foi ministra da Educação no efémero Executivo de Santana Lopes – escolha que pede meças a qualquer sketch dos Gatos Fedorentos.
Devemos, no entanto, estar gratos a esta iniciativa da RTP. Por nos mostrar que Portugal os portugueses gostam de ver quando se olham ao espelho. O Portugal autoritário de Salazar e de Cunhal – ao que consta, as duas figuras mais votadas. O Portugal mítico da Padeira de Aljubarrota, o Portugal beato da Irmã Lúcia, o Portugal temente do médico Sousa Martins, o Portugal pícaro de Bocage, o Portugal vermelho de Otelo, o Portugal suicida de Florbela Espanca, o Portugal boçalóide de Alberto João Jardim, o Portugal da bola-à-flor-da-relva de Vítor Baía, o Portugal sem passado de José Sócrates (todos também votados). Um Portugal sem o Infante D. Pedro, sem Verney, sem Herculano, sem Camilo, sem Antero, sem Columbano, sem Serpa Pinto, sem Mouzinho, sem Sidónio, sem Amadeo, sem Aquilino, sem Duarte Pacheco, sem Lopes-Graça, sem Manoel de Oliveira, sem Eanes, sem Agustina (todos omitidos).
Há 20 anos, esta lista incluiria Linda de Suza. Hoje inclui o Hélio. Está certo: graças aos “fundos estruturais”, a “mala de cartão” deu lugar aos “morangos com açúcar”. Mudámos nisto. No resto, continuamos como dantes, como sempre.
Irreformáveis.
Exagero? Talvez não. Este “top cem” inclui António Variações, Catarina Eufémia, Cristiano Ronaldo, a fadista Mariza, Ricardo Araújo Pereira e o general Vasco Gonçalves, além da obscura Maria do Carmo Seabra, que foi ministra da Educação no efémero Executivo de Santana Lopes – escolha que pede meças a qualquer sketch dos Gatos Fedorentos.
Devemos, no entanto, estar gratos a esta iniciativa da RTP. Por nos mostrar que Portugal os portugueses gostam de ver quando se olham ao espelho. O Portugal autoritário de Salazar e de Cunhal – ao que consta, as duas figuras mais votadas. O Portugal mítico da Padeira de Aljubarrota, o Portugal beato da Irmã Lúcia, o Portugal temente do médico Sousa Martins, o Portugal pícaro de Bocage, o Portugal vermelho de Otelo, o Portugal suicida de Florbela Espanca, o Portugal boçalóide de Alberto João Jardim, o Portugal da bola-à-flor-da-relva de Vítor Baía, o Portugal sem passado de José Sócrates (todos também votados). Um Portugal sem o Infante D. Pedro, sem Verney, sem Herculano, sem Camilo, sem Antero, sem Columbano, sem Serpa Pinto, sem Mouzinho, sem Sidónio, sem Amadeo, sem Aquilino, sem Duarte Pacheco, sem Lopes-Graça, sem Manoel de Oliveira, sem Eanes, sem Agustina (todos omitidos).
Há 20 anos, esta lista incluiria Linda de Suza. Hoje inclui o Hélio. Está certo: graças aos “fundos estruturais”, a “mala de cartão” deu lugar aos “morangos com açúcar”. Mudámos nisto. No resto, continuamos como dantes, como sempre.
Irreformáveis.