O caudilhismo, doença infantil da esquerda
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A esquerda populista e radical, que congrega a retórica socialista com políticas assistencialistas dependentes de astronómicos fundos estatais, vocifera contra Washington, o que agrada também à extrema-direita. Mas esta retórica não ilude uma questão essencial: a destruição progressiva do frágil tecido empresarial e da massa crítica em países como a Bolívia e a Venezuela augura tempos muito difíceis para o subcontinente americano que fala português e espanhol. Chávez e Morales preparam profundas alterações constitucionais destinadas a centralizar ainda mais o poder destes “homens providenciais” em nome das “conquistas do socialismo”. Daqui à subalternização da democracia e do estrangulamento da sociedade civil vai um curto passo. Em Cuba passou-se o mesmo, com os resultados que se sabem: entre 1989 e 1998 o salário real médio dos cubanos caiu 44%. O número de famílias pobres na Venezuela aumentou 18% desde que Chávez assumiu o poder em Caracas, há oito anos, e já no primeiro semestre de 2006 o investimento no petróleo e gás natural da Bolívia caiu 40% em relação a igual período do ano passado.
Há uma lição fundamental que a História contemporânea nos ensina: a democracia política é indissociável do desenvolvimento económico. Mas a democracia ultrapassa o plano meramente instrumental, ligado à criação de riqueza: é um valor político essencial, não devendo ser desgraduada em nome do populismo. A esquerda chilena (com Michelle Bachelet) e argentina (com Nestor Kirchner) percebeu isto e segue o seu caminho autónomo, com inegável maturidade. A outra, tão festejada por certos comentadores cá do burgo, prossegue na via do abismo com o cardápio do costume: nacionalização dos principais sectores produtivos, “reforma agrária” destinada a colectivizar a miséria nos campos, asfixia das empresas privadas e criação de uma gigantesca classe de funcionários que parasita o erário público. Em África, quatro décadas de aplicação destas receitas geraram corrupção, fome, doença e penúria: não falta quem lhe chame o “continente perdido”. A América Latina não pode seguir o mesmo trilho. Para tanto, é fundamental que a esquerda saiba distinguir o trigo do joio, não caucinando novas receitas para o desastre.