Vidas portuguesas
Não é por ser Natal, mas porque o momento consumista é muito maior, tenho andado a pensar nos empregados dos supermercados das grandes superfícies. Imagino-os, antes do fecho diário, com um carrinho, a pôr nos seus lugares centenas de produtos que a clientela vai abandonando negligente e compulsivamente aqui e acolá.
O que levará alguém a abandonar embalagens de carne na secção dos cereais, sabonetes junto aos congelados ou casacos de criança no corredor dos doces? Que força oculta impele a clientela a deixar prateleiras caóticas? O produto lá do fundo é melhor? Que razões impede aquela gente a não apanhar do chão o que deixam cair?
Possivelmente haverá em tudo isto alguma mesquinha vingança (eu pago, tu arrumas), uma arrogância mal educada por tudo o que seja alheio às paredes das assoalhadas onde vivem, o sabor da impunidade (ninguém nos está a ver) ou a preguiça combatida em ginásios a preços milionários. Vendo bem, nem é preciso ir tão longe. Basta sair à rua e está lá isto tudo.
Ontem, no corredor dos detergentes, o saloio que deixou aberta a embalagem de amaciador da roupa que eu meti no carrinho deve ser o mesmo labrego que passeia o cão no meu passeio. Ele é o labrego, o cão, um lindo labrador.