terça-feira, dezembro 05, 2006

O líder chileno e o ditador cubano segundo Liberty Valance

Leiam este pertinente post do Pedro, em baixo, sobre o “líder cubano” e o “ex-ditador chileno”. Como nestes dias escrevi sobre uma das personagens, fiquei a pensar seriamente na questão ali levantada. Nas prosas que recentemente escrevi sobre Fidel Castro usei ambas as expressões, “líder” e “ditador”, mas a primeira umas quatro vezes e a segunda, confesso, uma só vez e escondida a maio do texto. Ora, se tivesse escrito sobre Pinochet, não teria hesitado um instante na utilização da expressão “ex-ditador”. Presumo que haveria quatro ou cinco formas “ex-ditador” e apenas uma vez o “antigo líder”.
Acho que o meu critério nunca foi ideológico. Não tenho dúvidas de que estamos perante dois ferozes ditadores, até com uma pequena vantagem para Pinochet: em Cuba, o regime ditatorial nem sequer consegue fazer a transição para a democracia (teme-se o pior) e a ditadura de Pinochet, pelo menos, permitiu que surgisse um regime democrático no país. Dirão os leitores que há ainda restrições, nomeadamente o poder dos militares e a quase impunidade do próprio Pinochet, mas penso não haver dúvidas sobre a vitalidade e capacidade de sobrevivência da democracia chilena. Castro, por outro lado, tem um ponto vantajoso em relação a Pinochet: ele derrubou uma ditadura, enquanto o general chileno eliminou um regime democrático.
Em relação às barbaridades, penso que não faz sentido fazer contabilidade, dizer aquele matou mais que o outro, pois o balanço de crimes não aumenta ou reduz a maldade e a culpa.
Ao tentar responder à questão do duplo critério encontrei uma provável explicação: o efeito da lenda.
Este parece-me ser um fenómeno pouco integrado pelos jornalistas. Lembram-se do filme de John Ford, “O Homem que Matou Liberty Valance”? Na cena final, depois do senador ter contado aos dois jornalistas a história verídica sobre o tiroteio que o fez famoso, o editor diz que não pode contar a verdade: "when the legend becomes fact, print the legend” (quando a lenda se transforma em facto, publique-se a lenda), diz ele.
Inconscientemente, fazemos isto. Na minha opinião, esta é a verdadeira origem do duplo critério sobre as ditaduras chilena e cubana. A primeira foi sempre definida como ditadura; a segunda está rodeada de uma lenda de revolução.

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