terça-feira, dezembro 19, 2006

O corredor


Era um corredor com muita luz depois de se acordar. Mas, à noite, era escuro e mais comprido. Comprido e estreito como um comboio, com portas para salas de onde vinham os estalidos de cadeiras onde ninguém se sentava.
Ouvia-se, como a voz de alguém zangado, o toc toc de um relógio alto, mais alto do que eu, que parecia gritar sempre que acordava e me levantava para fazer chichi.
Eu sabia que não era preciso ter medo e que não estava mais ninguém em casa, só os meus avós a dormir no quarto ao fundo do corredor comprido. Mas, mesmo assim, era escuro. E os toc toc do relógio mais alto do que eu pareciam passos, de alguém que caminhava ao meu lado sem que o conseguisse ver.
Às vezes, que eram muitas, apetecia-me fazer chichi mesmo ali, na cama, para não ter de me levantar, abrir a porta e entrar no corredor.
Mas depois lá ia. Toc toc, toc toc, primeiro devagarinho e depois corria para a casa de banho. A seguir saía, toc toc outra vez, primeiro passo a passo para não fazer barulho e depois muito muito depressa corria e corria como se o quarto estivesse muito muito longe (e estava). Fechava a porta do quarto e enfiava-me na cama, com os lençóis e cobertores por cima da cabeça.
De manhã, acordava. E o toc toc era uma música doce, como um bom dia e um beijinho de avó.
Publicado em «Contos Contigo», colectânea editada pela Livro do Dia. O valor da compra reverte integralmente para a APECI - Associação para a Educação de Crianças Inadaptadas de Torres Vedras.