Uma arrogância do tamanho do mundo
O melhor que o semanário Sol tem, desde a primeira edição, é a entrevista da página 2, assinada pelo jornalista José Eduardo Fialho Gouveia - mais um que vem da "tenebrosa" escola do Independente, que provocava urros de histeria a algumas damas da nossa sociedade, compreensivelmente chocadas no seu pudor virginal com a irreverência do jornal fundado por Miguel Esteves Cardoso e Paulo Portas. Felizmente a irreverência tem-se prolongado noutros órgãos de informação que receberam o salutar contributo dos profissionais dessa escola. A entrevista que o Zé Fialho publica hoje com José Saramago é uma excelente prova disso mesmo, tornando mais transparente que nunca a mundividência do Prémio Nobel da Literatura. Saramago chega aos 84 anos de mal com a vida, com o mundo e com os outros. É um ser amargo, que transpira rancor por todos os poros.
O homem que cantou hossanas a um dos maiores totalitarismos do século XX, o soviético, indigna-se hoje com esse "totalitarismo novo que é a globalização", com todos os governos transformados em "comissários políticos do poder económico". Portugal vive numa democracia? Que ideia! "Vivemos numa plutocracia - o governo dos ricos", que acabaram com o "emprego para toda a vida", que existiu sabe-se lá quando. O planeta caminha para o descalabro, indiferente aos alertas do profeta Saramago, que ainda crê numa "segunda oportunidade" para o comunismo, esse sistema que ele próprio garante não existir em parte alguma e é portanto muito diferente do capitalismo, que "não é pautado por objectivos humanos", seja lá o que isso for.
E ele, o Laureado Escritor, é humano? Claro que sim. Tão humano que não perdoa as afrontas que lhe fizeram seres tão abjectos como Cavaco Silva, Santana Lopes e Lobo Antunes. Do primeiro diz que não o cumprimenta, do segundo assegura ser "um imbecil". Quanto ao terceiro, confidencia não gostar de o ler. Porquê? "Não gosto, pronto." Argumento de Nobel, magister dixit. Saramago no seu melhor: uma arrogância do tamanho do mundo. E um azedume sem fim que há-de morrer com ele.