terça-feira, novembro 07, 2006

O regresso da Europa (II)


O grande debate europeu actual é sobre a próxima adesão da Turquia. Por causa de Chipre, o processo parece preparado para descarrilar. Acho que a adesão de Chipre foi um erro histórico, pelo menos sem que fosse resolvida a divisão do território. Agora, a UE está a esforçar-se por encontrar uma solução que permita salvar a face dos turcos e não obrigar um dos lados a encerrar negociações. Parece muito difícil.
O território de Chipre norte (turco), apoiado pela Turquia, não tem legalidade internacional e, por isso, não há ligações comerciais. Quando do referendo de unificação patrocinado pela ONU, e que antecedeu o alargamento, em 2004, os cipriotas turcos votaram a favor da reunificação e os cipriotas gregos contra. Mas o lado turco (supostamente o bem comportado) ficou isolado e o grego (que inviabilizou a reunificação) aderiu à UE.
Para prosseguir as negociações de adesão, a Turquia tem de cumprir um acordo que assinou e permitir o acesso de navios e aviões cipriotas aos seus portos e aeroportos. Trata-se de cumprir o protocolo que alarga a 25 o acordo comercial existente entre a Turquia e 15 membros da UE.
Mas a abertura aos cipriotas sem o recomeço do comércio entre UE e Chipre Norte será uma humilhação para qualquer governo turco. E os europeus não podem ligar os dois assuntos, pois isso equivale a reconhecer Chipre Norte.
Como sair do impasse? Bruxelas tenta ganhar tempo e negociar devagarinho a questão, tentando que ninguém bata com a porta. Um compromisso finlandês poderá ser aceite na próxima cimeira europeia, em Dezembro.
Mas o resultado pode também ser uma suspensão do processo de adesão, um “cartão amarelo”, que travaria o processo por tempo indefinido.
Os europeus sabem que a entrada da Turquia só será possível se houver anos de economia europeia robusta e após a difícil suavização das opiniões públicas alemã, francesa e católica. Estamos a falar de um prazo de anos, talvez uma década.
Mas os custos da não-Turquia são demasiado elevados: imaginem a Europa com um vizinho daquele tamanho instável e possivelmente hostil. Haveria também uma importante minoria muçulmana dentro da UE a sentir-se excluída, agravando um problema social interno que já parece complicado, o da integração dos muçulmanos nas sociedades laicas. Outra implicação seria o fim das ambições externas da UE, a falta de controlo sobre importantes rotas de energia, a perda de influência no Médio Oriente, no Cáucaso, na Ásia Central.
Sem a Turquia, a UE não passará de um projecto com forte componente étnica e religiosa. Com a Turquia dentro, acabarão definitivamente as veleidades dos directórios e outras ideias elitistas. É esta a verdadeira razão da hostilidade de alguns países à ideia do novo membro, na origem do eufemismo da “capacidade de absorção”.

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