segunda-feira, novembro 06, 2006

Nada é eterno como o amor

"És feliz?", pergunta Deannie Loomis a Bud Stamper na cena final de Esplendor na Relva. Revi uma vez mais, agora no Grande Auditório da Gulbenkian, este filme belíssimo que me deixa sempre atordoado. Elia Kazan foi o cineasta que melhor soube mostrar a sucessivas gerações de cinéfilos como é possível filmar o mais difícil dos temas - o fracasso das relações amorosas face às mil armadilhas do quotidiano - com uma sensibilidade ímpar que nem a mais eficaz das ficções televisivas consegue imitar. Há no olhar pungente de Deannie (Natalie Wood), nessa cena crepuscular, toda uma gama de emoções que daria para encher uma biblioteca inteira. Passam os tempos, mudam as modas, e este tema permanece tão actual como os títulos dos jornais desta manhã. "Não costumo pensar muito nisto" é a resposta que lhe dá um embaraçado Bud (Warren Beatty), confrontado com os estilhaços daquela que foi a mais bela das relações, desde o início cercada por condições adversas que a condenaram à extinção.
Ou talvez não. Quando as palavras The End iluminam o ecrã, pressentimos afinal que aquele amor será eterno - mesmo com Bud confinado à prosaica quinta do Kansas natal, amarrado a uma mulher que o destino escolheu por ele, e Deannie desterrada em Cincinnatti, presa a um casamento que lhe serve de suave sucedâneo ao suicídio que não a deixaram consumar. Resta-lhes o esplendor na relva que partilharam na idade de todas as ilusões e neles perdurará como um signo de eternidade.
Nelson Rodrigues, que talvez nunca tenha visto esta película mas conhecia como ninguém os enredos da vida real, sabia do que falava quando escreveu: "A única coisa que dura para além da vida e da morte é o amor."
Isto Kazan não mostra. Mas está lá. É por isso que amarei este filme até ao fim dos tempos. Como Ruy Belo, também "Eu sei que Deannie Loomis não existe / Mas entre as mais essa mulher caminha / E a sua evolução segue uma linha / Que à imaginação pura resiste."