quarta-feira, setembro 27, 2006

Benzida esquerda (2)

Não resisto a transcrever aqui o emocionado relato que Churchill fez do serviço religioso em que participou com Roosevelt ao largo da Terra Nova, nesse dia 10 de Agosto de 1941, quando ambos firmaram o que viria a ser conhecido por Carta do Atlântico – pioneira da futura Organização do Tratado do Atlântico Norte. Até pela prosa, que é de inegável qualidade (não esqueçamos que Churchill foi galardoado em 1953 com o Prémio Nobel da Literatura, depois de Mauriac e antes de Hemingway). Em nenhum momento certamente ocorreu aos dois estadistas que a “laicidade” americana ou britânica estariam a ser postas em perigo com esta notória manifestação de fé.

“Na manhã de domingo, 10 de Agosto, Roosevelt subiu a bordo do 'Prince of Wales' e, acompanhado dos oficiais do seu estado-maior e de algumas centenas de representantes de todas as fileiras da marinha norte-americana, assistiu ao Divino Serviço no convés da ré. Todos sentimos esta cerimónia como uma expressão profundamente comovente da unidade na fé entre os nossos dois povos, e ninguém que nela tenha participado alguma vez esquecerá o espectáculo proporcionado pela luz solar no apinhado convés – o simbolismo da Union Jack e da Stars and Stripes drapejando lado a lado no púlpito; os capelães americano e britânico partilhando as leituras; as mais elevadas patentes da Marinha, do Exército e da Força Aérea da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos reunidas como um só corpo atrás do Presidente e de mim; os marinheiros, em linha compacta, partilhando Bíblias e juntando-se fervorosamente nas orações e nos hinos familiares a todos eles.
Eu próprio escolhi os hinos – 'For Those in Peril on the Sea' e 'Onward, Christian Soldiers'. Terminámos com 'O God, Our Help in Ages Past' (…). Cada palavra parecia vir do fundo do coração. Foi um grande momento que ali vivemos. Cerca de metade dos que cantavam naquele instante iriam morrer em breve.”


(Winston Churchill, The Second World War, volume III, “The Grande Alliance". Penguin Books, 1988, página 384. Tradução minha)