Benzida esquerda (1)
Parece ter causado grande escândalo o facto de José Sócrates se ter benzido numa cerimónia pública. As críticas vieram sobretudo de uma certa esquerda que apregoa a “modernidade” aos quatro ventos enquanto policia os mais ínfimos pormenores do comportamento alheio. E se neste domínio há atitudes recentes de governantes portugueses realmente passíveis de crítica, como o ministro da Economia detectado em flagrante excesso de velocidade numa auto-estrada, não consigo entender porque é que o facto de Sócrates se ter persignado escandalizou tanto estas vestais preocupadas com os rumos da “laicidade”.
É nestas alturas que me lembro de Franklin Delano Roosevelt e Winston Churchill orando juntos no navio Prince of Wales, ao largo da Terra Nova, em plena II Guerra Mundial. Ou de Charles de Gaulle e Konrad Adenauer ajoelhados em 1962 na catedral de Estrasburgo, pedindo a iluminação divina na magna tarefa da edificação de uma Europa unida e em paz perpétua. Ou, muito mais recentemente, o presidente brasileiro Lula da Silva – esse símbolo da esquerda contemporânea, esse arauto de uma certa “modernidade” progressista – participando numa missa de acção de graças ao Senhor do Bonfim logo após a sua investidura, em Janeiro de 2002, não perdendo então uma oportunidade de comungar defronte de fotógrafos e operadores de imagem. O mesmo Lula que termina os seus comícios na actual campanha presidencial brasileira lançando este brado piedoso aos seus apoiantes: “Que Deus vos abençoe!”
E reparem que nem precisei de mencionar o precedente aberto por António Guterres para concluir que Sócrates se encontra afinal em boa companhia...