O passado não perdoa
A última coisa de que Günter Grass precisava era de um advogado de defesa chamado José Saramago. Mas o Nobel-98 lá veio em socorro do Nobel-99: em entrevista ao El País de ontem, o autor do Ensaio Sobre a Cegueira insurge-se contra as críticas a Grass, falando do alemão como se estivesse a defender-se das sombras do seu próprio passado. Nesta entrevista, intitulada "Regresso à Infância", Saramago indigna-se: "Surpreendeu-me a violência das reacções [contra Grass]. Ele tinha 17 anos. E o resto da vida não conta? Parece-me uma reacção hipócrita de muita gente que se calhar não consulta a sua própria consciência."
Numa coisa o "nosso" Nobel tem razão. Grass ainda pode alegar que o facto de se ter oferecido como voluntário, em 1944, para as Waffen-SS foi um pecadilho de juventude. Bem diferente dos vergonhosos saneamentos políticos de jornalistas promovidos por Saramago em 1975, quando tinha 52 anos, na redacção do Diário de Notícias. E o resto da vida não conta? Conta. Não venha é arrogar-se como autoridade moral perante nenhum de nós.