Nunca viver para trabalhar
Existem algumas cidades onde me sinto sempre bem. Uma delas é o Funchal. Não me canso de contemplar a placidez do belo oceano azul, em contraste com as frenéticas escarpas verdes povoadas de mil casas brancas. Dificilmente haverá outro panorama comparável - cada vez percebo melhor por que motivo esta ilha fascinou tanta gente de bom gosto, das mais variadas nacionalidades.
Quando chego, cumpro os meus rituais. Um deles é comprar o Diário de Notícias da Madeira, sem dúvida um dos melhores jornais portugueses, capaz de ombrear com a nossa grande imprensa "de referência" (detestável expressão, de que nunca gostei). Leio-o de fio a pavio, prolongadamente, satisfeito por concluir que o sucesso editorial não é incompatível com a qualidade. Outro ritual é tomar a primeira refeição na Beerhouse, no coração da baía do Funchal. Vem logo para a mesa um copo da excelente cerveja fabricada na casa: leve, fresca e apaladada (será que o Francisco José Viegas a conhece?), a melhor companhia para um pratinho de tremoços, que nesta época sabe muito bem. Demoro-me a escolher a ementa: faz parte do ritual. Desta vez decidi-me por um polvo salteado na frigideira, acompanhado (em travessa à parte) por arroz de tomate, seco e solto, como tanto gosto. E, também, em prato separado, uma salada mista que tempero à mesa.
Do lado do mar, o panorama é deslumbrante. Do lado da terra, também. As quezílias da política, as tricas do jornalismo, os males do planeta inteiro ficam a milhas de distância. É tempo de recarregar baterias, com um bom livro à mão. E de mergulhar neste oceano tão convidativo. É tempo de esquecer todas as chatices de um quotidiano cada vez mais áspero. E é tempo também de lembrar esta máxima de que muitos de nós andamos esquecidos: devemos trabalhar para viver, nunca viver para trabalhar.