Crise francesa e crise europeia (I)
Inspirados nos incidentes que têm abalado a França, muitos comentadores referiram, sobretudo nos jornais, que a crise francesa corresponde a um impasse que ameaça paralisar a Europa. Discordo desta visão pessimista.
A França está em transição e a sua situação política só ficará clarificada em meados do próximo ano, depois das eleições presidenciais. Nicolas Sarkozy, um populista de direita é a figura em melhor posição para vencer essas eleições. Se a direita vencer, as reformas económicas serão inevitáveis, apesar da tradição de contestação na rua. Sobre este ponto, vale a pena lembrar que estamos a falar de um país com opinião pública muito politizada. Nos últimos dois séculos, com ciclos quase simétricos a rondar 30 anos, houve períodos de choque externo seguidos de mudança acelerada, culminando em reforço da autoridade central do Estado: Maio de 68, Frente Popular, Comuna de Paris, Revolução Liberal, para citar apenas exemplos de reacções epidérmicas da sociedade francesa a grandes alterações que estavam a ocorrer no mundo e na economia.
A França enfrenta uma mudança económica que está a questionar o confortável modelo social construído nos últimos 50 anos. É evidente que os economistas e os sociólogos sabem isso muito bem e há reformas em curso, mesmo se os Governos as fazem cada vez mais discretamente. Além disso, não está provado que certos elementos do modelo social que desaparece não possam sobreviver. Falo dos elementos centrais, como serviços públicos eficazes, protecção no desemprego e na velhice, educação e justiça para todos ou segurança no emprego.