Cadernos de Filosofia Política de Adolfo Ernesto (XVII)
Segundo prémio João Villalobos de falsa entrevista
Porque decidiu destruir o ensino da música em Portugal, senhor primeiro-ministro?
Tive um vibe, ou seja, uma vibração, e telefonei logo à senhora ministra da educação para acabar com o ensino de música.
Que tipo de vibe?
Parecia assim uma corda de violino a ser tocada por um iniciado de seis anos. Um som estridente e prolongado.
Compreendo. Deve ter sido horrível. E qual é o seu plano?
Disfarçar por um jargão burocrático o que estamos de facto a fazer.
Pode dar exemplos?
Usamos expressões como ensino supletivo ou integrado para confundir a opinião pública e ninguém perceber.
Mas, trocando por miúdos, o que vai fazer?
Comecemos pelos miúdos. Na prática, os conservatórios deixam de ensinar crianças com menos de dez anos.
Mas, senhor primeiro-ministro, com o máximo respeito deste seu admirador, isso vai impedir as crianças de aprender desde o início.
O que quer dizer?
Eu é que devo fazer as perguntas, mas a minha Clotilde tem uma sobrinha a estudar violino e começou aos sete anos.
E toca bem?
Eu é que faço as perguntas nesta entrevista, senhor primeiro-ministro. A sobrinha da minha Clotilde já consegue tocar na corda mi e fazer um pizzicato.
Magnífico, o nosso ensino é demasiado eficaz. Temos de o transferir para as escolas primárias sem condições, para o destruir. Imagine um sistema que produz milhares de criancinhas como a sobrinha da sua senhora a tocar na corda mi segundo o método suzuki.
Parece terrível. Mas estava a explicar o seu plano...
Se as crianças chegarem ao conservatório com dez anos sem saberem tocar, vão certamente desistir. Mas para termos a certeza, as escolas de música públicas serão especializadas, quero dizer, terão um currículo próprio, mais concentrado.
Mas isso não irá acabar com os amadores, aquelas pessoas que estudam música mas não querem ser profissionais?
Claro. E não corremos o perigo de produzir centenas de músicos, como faz a Rússia. Se não houver amadores, toda a gente acreditará que o mestre Emmanuel Nunes é mesmo um génio e não haverá contestação às nossas apostas estéticas. Por outro lado, as crianças talentosas já desistiram.
Estou a ver. Mas não teme que os pais evitem colocar as criancinhas no conservatório?
O que quer dizer com isso?
A meio da sua formação, a criança não poderá mudar de música para ciências e toda a gente diz que uma escolha aos dez anos é demasiado prematura...
É essa a ideia. Se não houver alunos, fechamos a escola e poupamos dinheiro. Foi isto que eu expliquei à senhora ministra, quando lhe enviei as minhas orientações políticas.
Ou seja, no fundo está a privatizar a música...
Você tem grande argúcia, ò Adolfo Ernesto, podia ser meu assessor...
Não recuso o convite. Gostei muito de o entrevistar e prometo admirá-lo muito, pelo menos enquanto o senhor tiver maioria absoluta.
Adolfo Ernesto
Etiquetas: adolfo ernesto