sexta-feira, dezembro 21, 2007

Cinema Nostalgia (20)


Não admira que nos anos 20 tivessem diabolizado o cinema. Ainda hoje estou convencida de que os meus primeiros pensamentos pecaminosos foram inspirados por filmes. Percebe-se porquê. Na minha escola só havia meninas e em casa não existiam irmãos para ao menos me poder familiarizar com a espécie. Mesmo que tenha seguido a cartilha de Freud à risca, a eventual atracção que senti pelo meu pai, aos nove anos já estava esquecida e resolvida. Nessa fase da minha vida o que eu via nele era mesmo um homem assexuado, tão desenxabido e confortável como um par de meias de lã. De modo que foi nos melhores cenários e com música de fundo que tive os meus primeiros encontros amorosos e as primeiras revelações sobre a natureza masculina. Tudo informação estereotipada? Claro que sim! Mas temos que começar por algum lado.
Não me importava ter que viver todos aqueles romances sempre com outra mulher de permeio. Afinal, se havia coisa em que me tinha especializado desde a mais tenra infância era em fazer de conta. Por isso, encarava com pragmatismo as vantagens de ser beijada pelo James Dean através da Natalie Wood, sobretudo quando os meus pais também estavam a ver. À força de tantos ensaios românticos, é claro que acabei por cair nas malhas da paixão e qual Judy Garland abraçada ao retrato de Clark Gable, também eu, no sossego do meu quarto, me declarei rendida aos encantos de alguns dos homens que conheci intimamente na tela. Warren Beatty foi um deles. Vi-o pela primeira vez na comédia dos anos 70, O Céu Pode Esperar - um remake de Heaven Can Wait de Ernest Lubitsch - e foi um coup de foudre! Com Reds (1981), um épico com a revolução russa em pano de fundo, provou-se que o nosso caso tinha futuro. (Só anos depois viria a descobri-lo em Bonnie and Clyde (1967) e Esplendor na Relva (1961) uma película inesquecível em que o encontramos tão jovem que mal descortinamos o sex-symbol que anos depois lhe renderia o título de solteiro mais cobiçado de Hollywood).
Robert Redford (na foto), que ainda hoje considero um dos homens mais bonitos de sempre, foi outro caso de paixão. Quando começou o nosso idílio? Não sei, mas gosto de o recordar em O Nosso Amor de Ontem (1973), um filme nostálgico de Sydney Pollack (Redford foi o seu actor fetiche). Porém, O Grande Gatsby (1974) foi talvez o filme que mais explorou a sua fotogenia. Em A Golpada (1973), Os Homens do Presidente (1978) e O Candidato (1972) Redford provou-nos que se não fez carreira à margem da sua beleza, também não desejou construí-la à sua custa, circunstância que lhe rendeu, naturalmente, ainda mais encanto.
Mas, confesso, houve outros: Steve Mcqueen, precocemente desaparecido, mas eternamente sedutor, foi um deles. Lembro-o em O Grande Mestre do Crime (1968), Papillon (1973), mas principalmente em Amar um Desconhecido (1963), num dos raros papéis que lhe permitiu explorar uma fragilidade e um desamparo que raramente lhe adivinhávamos e que lhe ficava tão bem.
Paul Newman, esse, tinha um charme adicional. Apesar de ser um dos actores mais bonitos e talentosos da sua geração, manteve-se a vida inteira ligado à mesma mulher, Joanne Woodward, sem que constassem rumores acerca de eventuais escapadelas. Quantos saberão amar assim? Recordo-o sobretudo em Gata em Telhado de Zinco Quente (1958), no Hitchcock de A Cortina Rasgada (1966), mas muito especialmente em Corações na Penumbra (1962), onde interpreta na perfeição o papel de um gigolo atormentado pela sua própria fraqueza de carácter.
Encantada, segui os meus homens com devoção. Atrás destes vieram outros, extraídos aqui e ali de várias gerações de actores. Espiei-os muitas vezes em circunstâncias que nunca terei oportunidade de testemunhar fora de uma sala de projecção. Na guerra, em várias situações limite, fui uma observadora atenta dos seus gestos, das suas idiossincrasias. E se o cinema me levou a idealizá-los também me ajudou a percebê-los melhor.
Só falei de gringos? Naturalmente. A indústria cinematográfica apanhou-me numa fase da vida em que a minha consciência crítica relativamente ao imperialismo americano deixava muito a desejar. Os rendez-vous na cinemateca viriam a acontecer mais tarde, mas já sem a chama dos meus primeiros tempos de cinefilia...

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