quinta-feira, novembro 08, 2007

A História na primeira pessoa (2)

Acabo de ler A Good Life, de Ben Bradlee, na versão espanhola – editada pela casa editorial do diário El País, sob o título La Vida de un Periodista. É uma extraordinária lição de jornalismo escrita por este homem nascido em 1922, combatente na II Guerra Mundial e velho tarimbeiro das redacções. Começou pela melhor escola americana, no jornalismo de província, e teve um percurso fulgurante, que o levou a chefe da delegação da revista Newsweek em Paris, correspondente de guerra na Argélia e no Suez, e enfim a Washington, onde passou a dirigir o Post em 1962. A curta distância da Casa Branca, onde então pontificava John Kennedy, seu amigo pessoal.
Bradlee relata-nos a sua odisseia no relançamento do Post, que à época era apenas o terceiro jornal mais vendido na capital americana. Arejou o grafismo, destacou a imagem, criou um suplemento chamado Style, que dava prioridade ao lazer, valorizou o espaço de opinião, criou um provedor de leitores (em 1969!) e deu um novo impulso à reportagem. Bastando-lhe adoptar como lema a velha lição que recebera da professora primária: “O melhor possível hoje, melhor ainda amanhã.”
A qualidade foi sempre um objectivo a atingir. “A detecção de talentos nunca cessa num periódico”, afirma Bradlee, então “decidido a que cada jornalista fosse o melhor da cidade no seu ramo de actividade”. Este foi um dos segredos do sucesso do jornal, a par das normas de exigência postas em vigor. O Post deixou de usar a ambígua expressão “segundo as nossas fontes”, instituiu a norma da verificação dos factos junto de duas fotnes autónomas e recomendou aos seus repórteres que nunca se esquecesse do sábio preceito de Camus, que também foi jornalista: “Não existe a verdade. Só existem verdades.”
La Vida de un Periodista dá-nos retratos deliciosos de jornalistas. Howard Simons, director-adjunto do Post, que cunhou a expressão SMERSH para designar a secção dedicada a estes temas (segue em inglês para se entender melhor): Science, Medicine, Education, Religion & All That Shit. Art Buchwald, o incomparável humorista. Jim Truitt, que permaneceu 47 horas sentado à máquina de escrever, produzindo uma lista com mais de mil sugestões no dia em que Bradlee protestava contra a “falta de ideias” na redacção. E, obviamente, a dupla “Woodstein”: Watergate nunca teria sido o que foi sem a “destreza e persistência” destes repórteres, que transformaram este velho ofício num mito: nos anos 70 e 80, o jornalismo tornou-se a profissão mais cobiçada do planeta.
Bradlee permaneceu dez mil dias à frente do Post. Saiu em 1991, sob uma ovação imensa dos jornalistas, retirando-se para a sua propriedade rural, onde redigiu este livro, lançado em 1995. Sob a sua liderança, o diário ganhou 18 prémios Pulitzer e firmou-se como um dos grandes títulos mundiais, conquistando uma sólida reputação de independência – o melhor certificado de nobreza de qualquer jornal. A good life indeed.

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