terça-feira, outubro 16, 2007

Diário na enfermaria (5)



Eu e a Rosa somos as veteranas da enfermaria.
A Rosa - uma angolana que atravessa a enfermaria como na catwalk, os olhos rematados por umas pestanas que fariam a Penélope Cruz corar de inveja - tem paixão por cozinhar e comer. É, aliás, ajudante de cozinha, agora desempregada desde que disse ao patrão que ia ser internada
- Ele não pode fazer isso Rosa!
Rosa encolhe os ombros: - O que é que queres?
Chega o chá de ervas da manhã e a Rosa começa a ensinar-me a fazer cachupa. Chega a canja de galinha do almoço e a Rosa dá-me lições de arroz de milho. Chega o chá de ervas da tarde e a Rosa explica-me como é que se faz arroz de feijão.
No dia em que chegámos, a Rosa declarou logo que teria que ter alta na sexta-feira porque as refeições que deixou cozinhadas para o pai, o filho de 20 anos e o filho de 7 acabavam naquele dia. Mas na sexta-feira a Rosa piorou e foi para os cuidados intensivos, de onde só voltou há pouco, pálida no meio dos lençóis na cama empurrada pelas enfermeiras. Peguei-lhe na mão:
- Como é que te sentes?
A Rosa entreabriu as pestanas impossíveis e a deslocação de ar fez balançar as garrafas de soro de toda a enfermaria:
- Só te digo, Cristina, que a comida de lá é melhor do que a daqui.