sexta-feira, outubro 12, 2007

Cadernos de Filosofia Política de Adolfo Ernesto (2)



A cadeira 13

O meu amigo Tó Zen esteve ontem à espera de um telefonema de Estocolmo. De manhã, olhou para o telefone e esperou que ele tocasse. Ficou cinco horas em frente do aparelho. Só mais tarde lhe disseram que uma velhinha inglesa tinha ganho.
“Confundiram os números de telefone. Já aconteceu no ano passado, com aquele rapaz turco”, explicou, encolhendo os ombros. “Não estou apenas na short list. Sei que ganhei pela segunda vez consecutiva”.
O Tó Zen frequenta o grupo de poetas exóticos do Atheneu de Gymnástica. Há também uma promissora adolescente (três sonetos e uma soneca), o poeta fofinho e um quixotista, além do autor mais fragmentado do mundo (entre outros).
As sessões são às terças, numa salinha do canto que alugaram ao grupo de maduros. O Tó Zen ocupa a cadeira 13, a única que está sempre vaga, porque aqueles que a ocupam têm imensa sorte. O anterior foi o Nunes da Seiva, de 95 anos, poeta com cerca de dois livros publicados e que nunca abriu a boca nas sessões de discussão literária. Só foi a uma reunião, porque estava conotado com a ala neo-realista e os existencialistas coligaram-se com os modernistas, porque o único pós-moderno, o Tó Zen, não chegou a votar por estar à espera do telefonema de Estocolmo, coisa que não lhe acontece apenas nos dias 11 de Outubro, mas todos os dias 11. O Nunes da Seiva acabou por ser expulso e perguntam-me, como justificar a anterior afirmação de que a cadeira 13 dá sorte? O facto é que ele ficou todo contente por ter sido expulso.
Tirando a política literária, onde é centrista, Tó Zen é esteticamente um radical como eu. “Sou um radical como tu, Adolfo Ernesto”, costuma dizer o poeta. “Não tenho o lado esquerdo do cérebro misturado com o direito, não uso bigodinho à Hitler e boina à Guevara, mas sinto-me radical. É um estado de espírito”.
Há, de facto, certo radicalismo na sua postura poética, embora não seja tão avançado como eu, que radicalizei os dois lados da minha realidade.
Os títulos mais importantes da obra poética do Tó Zen são, e cito exemplos gritantes, “a descontinuação das empresas” ou o “desenvolvimento das matas e florestas”, ou ainda “a minha vida sem défice”. Arranjar as rimas para este último foi tarefa de génio. Ele também é especialista em Haiku e escreveu um genial, sobre um enfermeiro a dar a injecção no paciente. E, como dizia o outro, o poeta é um fingidor, como se demonstra pelo facto do Tó Zen nunca ter dinheiro e, portanto, viver em défice crónico, como o País (eu sei que Sócrates não acredita, mas o défice é um estado de espírito).
Agora, eu e o Tó Zen somos também colegas. Na semana passada, quando lhe disse que ia escrever no Corta-Fitas, convidou-me para participar numa sessão do grupo de poetas exóticos do Atheneu de Gymnástica, onde todos os membros têm assento numa cadeira. A minha tinha só três pernas e aquilo mexeu comigo, pois uma parte de mim detesta discriminações. Também mexeu porque balançava e enjoei. Era a número 13, reparei. A dedicada aos pós-modernos. O Tó Zen aproveitou para ocupar a cadeira número 11.
“Como ganhei duas vezes o prémio de Estocolmo, acho que a minha obra pode agora evoluir para um estilo menos radical, Adolfo Ernesto”, explicou-me ele.

Adolfo Ernesto

Imagem: adolescente, poeta fofinho, quixotista e autor fragmentado cumprimentam o vate

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