Cinema Nostalgia (10)
A minha memória é uma péssima ficcionista. Invariavelmente envia-me guiões com datas pouco fiáveis, personagens que não encaixam nas histórias que reinventa e, o que é pior, argumentos que pecam pela inverosimilhança. Fascinada por detalhes, é capaz de sacrificar o todo a um pormenor: um sorriso, um gesto, uma inflexão de voz por vezes são apenas o que ela é capaz de guardar de uma pessoa com quem me cruzei na vida.
Por maioria de razão, a minha memória do cinema em parte também é feita assim: de filmes sem nome, rostos desfocados, frases lapidares, passos de dança, trechos musicais. Uma espécie de patchwork onde tudo acaba por se conjugar.
A maioria dessas memórias difusas é constituída, evidentemente, pelos filmes que vi muito precocemente na televisão. Enterrada no sofá, desfiei muitas tardes de domingo a ver musicais, filmes de cóbois e de gangsters dos anos 30/ 40, a época de ouro de Hollywood.
Muito antes de aprender a usar a palavra western, já conhecia John Wayne de ginjeira. E embora não soubesse explicar, se me perguntassem, o que era um filme negro, já era cliente assídua das histórias protagonizdas por Humphrey Bogart e Edward G. Robinson.
Esses primeiros passos que damos como consumidores de filmes são sempre vacilantes. Às vezes aborreciam-me os intermezzos musicais intermináveis das fitas do Fred Astaire, tanto que chegava a adormecer. Outras vezes ficava, fascinada, a vê-lo flutuar com a Ginger Rogers nos braços e a perguntar-me se afinal seria legítimo eu estar a gostar tanto de uma coisa tão demodée.
Não raramente, os meus pais contribuíam, ainda mais, para estas minhas inquietações quando se punham a comentar, com ar cúmplice, como aquelas estrelas eram lindas “no seu tempo” e tinham envelhecido tanto com o passar dos anos. Esses desabafos recorrentes dividiam-me: faria sentido eu criar empatia com aquele friso de múmias, algumas já falecidas, outras retiradas há anos do cinema?
Do alto dos meus nove, dez anos passava-os então em revista. Roupas, penteados, atitudes, tudo fora de moda! Por um lado aborreciam-me aquelas minhas simpatias tão anacrónicas, mas o que fazer de tantas horas de intimidade partilhadas domingo após domingo naquela fase da minha vida em que não me acontecia absolutamente nada que se comparasse às suas aventuras na tela?
“A Dama de Xangai”, “Do Céu Caiu uma Estrela”, “Relíquia Macabra”, “Ter ou Não Ter”, “Rio Bravo”, “A Roda da Fortuna” e “Ritmo Louco” foram algumas das obras que passaram pelos meus olhos distraídos de miúda. O que terei retido de Astaire, de Rita Hayworth, de Boogie e de James Stewart? E do génio de Frank Capra, Orson Welles, John Huston, Howard Hawks, Vincente Minnelli e George Stevens, os mestres que os dirigiram? Coisas de nada (a minha memória é muito imprecisa quanto a esta matéria). Porém suficientes para ter ficado com um vício. Dos bons.
Por maioria de razão, a minha memória do cinema em parte também é feita assim: de filmes sem nome, rostos desfocados, frases lapidares, passos de dança, trechos musicais. Uma espécie de patchwork onde tudo acaba por se conjugar.
A maioria dessas memórias difusas é constituída, evidentemente, pelos filmes que vi muito precocemente na televisão. Enterrada no sofá, desfiei muitas tardes de domingo a ver musicais, filmes de cóbois e de gangsters dos anos 30/ 40, a época de ouro de Hollywood.
Muito antes de aprender a usar a palavra western, já conhecia John Wayne de ginjeira. E embora não soubesse explicar, se me perguntassem, o que era um filme negro, já era cliente assídua das histórias protagonizdas por Humphrey Bogart e Edward G. Robinson.
Esses primeiros passos que damos como consumidores de filmes são sempre vacilantes. Às vezes aborreciam-me os intermezzos musicais intermináveis das fitas do Fred Astaire, tanto que chegava a adormecer. Outras vezes ficava, fascinada, a vê-lo flutuar com a Ginger Rogers nos braços e a perguntar-me se afinal seria legítimo eu estar a gostar tanto de uma coisa tão demodée.
Não raramente, os meus pais contribuíam, ainda mais, para estas minhas inquietações quando se punham a comentar, com ar cúmplice, como aquelas estrelas eram lindas “no seu tempo” e tinham envelhecido tanto com o passar dos anos. Esses desabafos recorrentes dividiam-me: faria sentido eu criar empatia com aquele friso de múmias, algumas já falecidas, outras retiradas há anos do cinema?
Do alto dos meus nove, dez anos passava-os então em revista. Roupas, penteados, atitudes, tudo fora de moda! Por um lado aborreciam-me aquelas minhas simpatias tão anacrónicas, mas o que fazer de tantas horas de intimidade partilhadas domingo após domingo naquela fase da minha vida em que não me acontecia absolutamente nada que se comparasse às suas aventuras na tela?
“A Dama de Xangai”, “Do Céu Caiu uma Estrela”, “Relíquia Macabra”, “Ter ou Não Ter”, “Rio Bravo”, “A Roda da Fortuna” e “Ritmo Louco” foram algumas das obras que passaram pelos meus olhos distraídos de miúda. O que terei retido de Astaire, de Rita Hayworth, de Boogie e de James Stewart? E do génio de Frank Capra, Orson Welles, John Huston, Howard Hawks, Vincente Minnelli e George Stevens, os mestres que os dirigiram? Coisas de nada (a minha memória é muito imprecisa quanto a esta matéria). Porém suficientes para ter ficado com um vício. Dos bons.
Etiquetas: Cinema nostalgia