Do bolo-rei para o altar
Que eu me recorde, nenhum outro político foi tão vítima de preconceito de classe como Cavaco Silva quando era primeiro-ministro. Recordo uma senhora, de cabelo levantado pela laca e coberta de anéis, que me disse uma vez, com ar levemente enjoado: "Ele faz-me lembrar aqueles filhos das criadas que entram em nossas casas...". Os "filhos" - provavelmente altos de mais e desajeitados demais, que as filhas podem sempre vir a ser úteis para dar uma mão na copa...
Os jornalistas sempre fizeram eco desse desdém, em parte por razões ideológicas, em parte por razões estéticas - veja-se o episódio do bolo-rei, repetido até à exaustão.
Se Cavaco Silva tiver sentido de humor, estará agora a gargalhar com a rendição da classe jornalística após o veto ao Estatuto dos Jornalistas. Acredito que não terá sido essa a razão por que chumbou a lei - fê-lo, certamente, porque acredita que uma imprensa forte é essencial em democracia, tanto quanto uma economia de mercado. Mas não deixa de ser irónico...