sábado, agosto 04, 2007

Cinema Nostalgia (2)


Há filmes que não se explicam e Barry Lyndon, de Stanley Kubrick, é certamente um desses filmes. Quando o vi, pela primeira vez, tinha uns 15 anos e foi como se tivesse descoberto um novo continente. Há qualquer elemento que transporta o viajante para um universo etéreo, pictórico, narrativo, não sei, mas que paira a grande altitude. Lembro-me de ter pensado: “Então, o cinema é isto”. Mas, se me perguntam a que me refiro, não saberei dizer.
Barry Lyndon é a história de um aventureiro irlandês do século XVIII. Baseia-se num romance escrito em 1844 pelo escritor vitoriano William Makepeace Thackeray, As Memórias de Barry Lyndon. Kubrick fez uma mudança crucial: no filme, não há memórias, pois o narrador omnisciente conta-nos uma história real, cujas peripécias são autênticas, ao contrário da versão literária, onde o que se conta pode muito bem ser fantasiado. O herói participa em duelos, em batalhas, em espionagem; vive a adrenalina do jogo, da traição, do amor, da guerra; Barry Lyndon deserta, engana, é enganado; seduz mulheres, dá o golpe do baú; é odiado; acaba na miséria.
Apesar da preocupação realista, que inclui inovações técnicas que permitiram filmar à luz das velas ou da exactidão dos detalhes (uniformes, tácticas militares, castelos), Kubrick consegue criar uma atmosfera separada da realidade. Por vezes, as imagens são como pinturas e a vida de Redmond Barry flui como num sonho.
Podia também estender-me sobre a qualidade dos actores: Marisa Berenson ficou, para mim, como o arquétipo da beleza feminina. O esplendor da música barroca e a subtileza da música irlandesa. Podia falar da beleza esplendorosa das imagens, da precisão das palavras, do ritmo lento da narrativa.
Este é um filme tão perfeito, que deve ser visto várias vezes.
Kubrick foi um dos grandes realizadores do cinema e, na minha opinião, este filme é a sua obra-prima. Gosto muito de Roubo no Hipódromo e, sobretudo, o Caminho da Glória (julgo que é este o título em português), mas Barry Lyndon consegue o que nos outros filmes não surge tão nítido: criar um universo totalmente separado e levar-nos ao seu interior, deslumbrados.
Para mim, este é o filme mais europeu que jamais foi feito, no sentido de constituir uma espécie de tratado sobre o cerne da nossa civilização. E a ironia é que foi realizado por um visionário americano.

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