Longe de Lisboa
O sol poisa sobre as águas límpidas do Gilão, que leva um caudal apreciável. Na esplanada de um restaurante à beira-rio, as amêijoas que encomendei passam os testes mais exigentes: saborosas e suculentas, com o tempero apropriado. Reparo no eficiente empregado, um verdadeiro poliglota: recomenda num castelhano fluente arroz de marisco a uma família espanhola, elogia a dourada "fresquíssima" a uns franceses no idioma de Astérix, sugere camarão grelhado a dois casais alemães, alternando frases germânicas com outras em inglês escorreito. Penso nesta nossa grande qualidade, nem sempre devidamente sublinhada: falamos com desenvoltura outras línguas, atributo vital numa Europa babélica.
Passam pares de namorados em bicicletas, aproveitando a brisa suave do fim da tarde. Turistas de diversas nacionalidades cruzam-se com os habitantes de Tavira na pacatez das ruas empedradas, várias delas fechadas ao trânsito. No jardim, junto ao coreto, prepara-se a festa de São João. O olhar leva-me mais longe: na monumental ponte seiscentista, pescadores improvisados tentam a sua sorte, lançando o isco às águas do rio. Sobre os telhados em tesoura que servem de cartão de visita à cidade mais bonita do Algarve, emoldurada por um céu sem nuvens, espreita a lua. "Cidade limpa" - é um dístico omnipresente nesta sede de concelho muito bem gerida pelo social-democrata Macário Correia, alvo dos maiores insultos quando um dia pretendeu candidatar-se ao município da capital.
Aqui esta frase não ressoa a propaganda: Tavira é exemplar em matéria de limpeza. O que me serve para lembrar o maçador debate de ontem à noite, na SIC Notícias, entre sete dos 12 candidatos a Lisboa. Falou-se muito de grandes obras, incluindo o futuro aeroporto, mas quase nada dos pormenores que interessam de facto aos cidadãos. A começar na limpeza. Ou melhor, na sujidade: Lisboa é uma cidade imunda.
Mas estou de férias. A política não me interessa. Prefiro continuar a saborear estas amêijoas. E fitar a lua, reflectida nas águas do Gilão. Está em quarto-crescente. Envolvidos nos nossos múltiplos afazeres quotidianos, absorvidos numa eterna corrida contra os ponteiros do relógio que nos conduz a lado nenhum, há quanto tempo não paramos um minuto sequer para contemplar a lua?