O recuo estratégico
A jogada que ontem o ministro das Obras Públicas corporizou é de mestre, mas pode vir a revelar-se muito arriscada para José Sócrates himself. Ao conceder seis meses, porque não pode "dar mais", como frisou o primeiro-ministro, para que a matéria seja analisada em termos comparativos pelo LNEC, o Governo está apenas e só a atirar areia para os olhos da oposição e daquelas pessoas e entidades que têm sérias dúvidas sobre se a melhor localização para o novo aeroporto internacional de Lisboa será mesmo a Ota. O Governo sabe melhor que ninguém que o LNEC é especializado e está vocacionado para trabalhos na área da engenharia civil. Mas decidir onde construir um novo aeroporto é muito mais que isso, em especial num País como este, com limitações financeiras óbvias. Tem a ver com o ambiente, com estudos económicos aprofundados, com o ordenamento do território, com uma vertente estratégica que não cabe ao LNEC analisar. Mais, é bom lembrar que o LNEC depende da tutela governamental e é apoiado pelo Estado, pelo que fazer pender o lado da balança para Alcochete terá de ser uma decisão muito bem fundamentada e, sobretudo, suportada.
A manobra engenhosa funcionou, para já. A oposição bateu palmas, o Governo dá mostras de alguma abertura depois de dois anos de autismo cego em relação à Ota. Só que Sócrates está a brincar com o fogo. Se por acaso o LNEC apenas servir para reforçar a decisão do Governo sobre a Ota, o caldo pode estar entornado com Belém. Se estes seis meses agora poderão correr de feição a Sócrates, dar-lhe jeito para a eleição de Lisboa e aliviá-lo um pouco da agenda política interna, no fim desse prazo o primeiro-ministro estará também já livre do seu papel na presidência portuguesa da União Europeia. Cavaco Silva não gosta de ser fintado e não deixará de tomar uma posição que pode deixar o Governo numa posição frágil em 2008, a um ano das legislativas. O que seria fatal para Sócrates. A ver vamos se o engenho de hoje não se revela explosivo amanhã.
Imagem: Aeroporto de Kobe (Japão)