Hergé: eternamente jovem
Tintim faz parte do meu imaginário. Tinha seis anos e vivia numa cidade de província quando mergulhei a fundo no mundo mágico da BD, semanalmente, nas páginas da excelente edição portuguesa da revista Tintin, que começou a publicar-se em 1968. Com histórias de Blake & Mortimer, Astérix, Lucky Luke, Ric Hochet, Bruno Brazil, Cavaleiro Ardent, Tenente Blueberry, Spirit, Corto Maltese, Achille Talon, Olivier Rameau, Cubitus, Tanguy e Laverdure, Luc Orient, Taka Takata, Valérian, Corentin e tantas outras personagens que para sempre integrarão a minha galeria de heróis de ficção. Cada vez que folheio a minha colecção da revista dirigida por Dinis Machado e Vasco Granja regresso à infância mais remota. Como se voasse com Dorothy num tornado em direcção a Oz.
Neste mundo mágico, as aventuras de Tintim figurarão sempre num lugar à parte. A primeira que li foi uma das últimas desenhadas por Hergé - Voo 714 para Sidney. Fiquei agarrado do primeiro ao último quadradinho a esta história passada numa misteriosa ilha do Pacífico e que incluía peripécias relacionadas com extraterrestres. Nos anos seguintes, lia-as todas por ordem quase inversa à cronológica. O fascínio foi-se acentuando de aventura em aventura: Carvão no Porão, Tintim no Tibete, O Caso Tornesol, O Ceptro de Ottokar, O Templo do Sol, A Estrela Misteriosa, A Ilha Negra...
Mas o maior deslumbramento aconteceu quando li O Lótus Azul, um dos melhores álbuns de banda desenhada de todos os tempos. Uma história passada na China dos anos 30, durante a sangrenta guerra sino-japonesa, com a qualidade de um romance de Greene ou Malraux. Mal sabia eu então como essa minha inesperada introdução à China me despertaria a tal ponto o interesse pelo Oriente que me levaria a passar dez anos nessas fascinantes paragens do globo.
No dia em que se assinala o centenário de Hergé, deixo-lhe também aqui a minha homenagem. Não só como nome maior da banda desenhada ou documentarista do século XX, mas como singular revelador de mundos.