terça-feira, março 06, 2007

Rever a História



Aprecio os textos de António Figueira, no excelente blogue 5dias, mas discordo inteiramente do que ele escreveu num post intitulado Feridas de Guerra II, sobretudo deste parágrafo:


Partilho da indignação em relação à maneira como os russos são tratados nos países bálticos. Numa visita à Letónia, fiquei chocado com as discriminações que atingem os russófonos e os não-cidadãos de origem russa. Considero mesmo que estes países não deviam ter aderido à UE enquanto não resolvessem o problema das minorias étnicas (os russos na Letónia representam um terço da população, a maioria sem direito de voto).
Mas as conclusões de António Figueira em relação ao incidente que motivou o seu post e, sobretudo, as ilações que tira sobre a Europa Central e de Leste parecem-me incorrectas.
Acho que há uma atitude dos países da Europa Ocidental (neste caso, os bons democratas) que tentam continuamente explicar aos de leste (os maus democratas), e de forma bastante paternalista, o que é aceitável e inaceitável na gestão das suas sociedades. Neste caso, é invocado um pretenso “consenso” histórico, segundo o qual o que conta é quem lutou pelo “anti-fascismo” (os soviéticos lutaram; e os nacionalistas católicos polacos, não lutaram?)
Em resumo da tese, o antigo regime comunista era um “mal”, mas estava do lado “bom”, pois combateu o nazi-fascismo. Por isso, o novo consenso “anti-comunista” que estes países desejam deve ser recusado por todos nós, os bons democratas ocidentais.
Se eles argumentam que sofreram e não gostam de foices e martelos, estão a perturbar a História. Portanto, nada de ajustes de contas, pois a Europa dos bons democratas não aceita desvios ao seu consenso histórico. Lembrar as deportações para a Sibéria, por exemplo, (só porque as pessoas eram de etnia estónia), isso provavelmente será “artilharia ideológica da guerra fria tardia”. Enfim, o statu quo só serve se for o nosso, não o deles.
Estou talvez a ser injusto em relação ao texto de António Figueira e a caricaturar excessivamente o que ele quis dizer, por isso tento precisar a minha crítica: Nos países ex-comunistas, o “anti-comunismo” equivale a contestar o antigo regime. O paralelo com Portugal é possível: um português pode contestar o antigo regime fascista e o mesmo se aplica a um estónio em relação à ocupação soviética. Os soviéticos foram libertadores, mas o regime que impuseram era absolutamente opressivo. O mesmo raciocínio aplica-se a todos os países que ficaram sob domínio de Moscovo, que pagaram a factura de meio século de atraso e ditadura.
Acho que a revisão do passado na região não tem nada a ver com a perturbação dos consensos históricos europeus, mas apenas com o direito de cada povo de, livremente e sem tutelas, escrever e interpretar a sua própria História.

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