quarta-feira, março 14, 2007

O que faz a saudade

Durante anos, ouvi os acordes do xilofone. Mesmo depois da casa estar vazia, das malas feitas. E, uma vez, uma só vez, corri atrás do som que me trouxe a memória, certa que encontraria Celeste, sorridente e compreensiva, no quarto da costura. Naquele jardim de inverno onde se acertavam vestidos e sobravam retalhos de todas as cores e tecidos. Corri para o vazio, para uma sala de jantar em silêncio.
O mar levou-me a amizade sincera, os anos trituraram os sentimentos e os interesses. Quando regressou, trazia sotaque na voz e lembranças da América na bagagem. Só não trouxe os acordes do xilofone, nem os braços calorosos que me acolhiam. Deixei de sonhar, de esperar. O vento ficou mudo, sem som, sem aquele toque mágico nas teclas de madeira.
Era nova demais para perceber os estragos da distância, para saber que o Atlântico anula vontades. Boston, uma cidade que não conheço a cor, nem o cheiro, moldou o coração da vizinha roliça, que dividia as contas da electricidade com a minha mãe. Partiu gente como nós, regressou emigrante, de pulseiras de ouro e presunção na alma.
Ingénua ainda, desci de dois em dois, os degraus dos muitos lances de escadas, abri o portão, voei para a memória de infância e cai num lago gelado. Nesse imenso lago gelado que envolve os desconhecidos, que submerge os que nos fogem, os que perdemos, os que nos perdem.