O que eu tenho a dizer
Chego a casa e vejo que o Corta-Fitas viveu hoje um grande dia com esta questão das criadas. Em primeiro lugar, parece-me que é uma demonstração das vantagens da blogosfera: nunca nenhum jornal ou meio de comunicação social poderia dar espaço ou tempo a um tema como este. No entanto, ainda que inadvertidamente, o João Villalobos tocou num ponto que retrata extraordinariamente bem o que é a sociedade portuguesa dos nossos dias. Por um lado, pessoas que, certamente por motivos respeitáveis, como o meu querido amigo Luís Naves, vêem humilhação e um passado que querem esquecer na simples enunciação da palavra "criada". Os meus queridos amigos João Távora e João Villalobos, incapazes de terem prazer em humilhar quem quer que seja, não vêem problema nenhum em utilizar uma palavra que para eles significa amizade e respeito. E eu? Serei "facho" ou "novo-rico"? Tive criadas em casa que tratavam o meu pai, os meus tios, os meus irmãos e a mim por "meninos". Algumas delas morreram nas nossas casas e nós tratámo-las como se fossem da família. Uma delas está sepultada no jazigo da minha família numa aldeia transmontana. Mas ao mesmo tempo sei que não viveram vidas de sonho, como se fosse uma novela portuguesa ou série inglesa. Também nós, os "meninos", nunca fomos tão maus ou tão felizes ou tão sexualmente depravados quanto nos retratam nessas ou noutras séries televisivas. Ou em livros neo-realistas. Porém, quando tenho que escrever sobre restaurantes, nunca uso o termo "criado", que a minha família usava antigamente com naturalidade e respeito. Hoje, uso "empregado de mesa" nos artigos que escrevo, porque a última coisa que desejo é que alguém se sinta humilhado por desempenhar uma profissão tão digna. E vem a minha casa uma "mulher a dias" minhota, com mais de 60 anos, que se está nas tintas para isto tudo.