Sombras chinesas
1. Em 1994, como enviado de um jornal de Macau, acompanhei a visita de um primeiro-ministro à China. Chamava-se Aníbal Cavaco Silva. Nessa altura, apenas um tema parecia preocupar os jornalistas enviados de Lisboa: a questão dos direitos humanos. Justificadamente, o silêncio de Cavaco nesta matéria fez várias manchetes, dias a fio. Outro primeiro-ministro português, chamado José Sócrates, acaba de se deslocar à China. Falou tão pouco em direitos humanos como Cavaco o fizera 13 anos antes. Com uma diferença assinalável: não houve manchetes a dar conta de tão clamorosa omissão.
2. A China é o país do mundo que mais aplica a pena de morte: cerca de 1770 execuções por ano. Lá os direitos sociais pura e simplesmente não existem. Os direitos políticos circunscrevem-se à "liberdade" de elogiar os dirigentes do Partido Comunista. Apesar disso, o ministro português dos Negócios Estrangeiros declarou que Portugal "tem acompanhado a evolução da China do ponto de vista político", gabando os "significativos progressos" neste domínio que só ele descortinou.
2. A China é o país do mundo que mais aplica a pena de morte: cerca de 1770 execuções por ano. Lá os direitos sociais pura e simplesmente não existem. Os direitos políticos circunscrevem-se à "liberdade" de elogiar os dirigentes do Partido Comunista. Apesar disso, o ministro português dos Negócios Estrangeiros declarou que Portugal "tem acompanhado a evolução da China do ponto de vista político", gabando os "significativos progressos" neste domínio que só ele descortinou.
3. Sócrates não gosta de críticas nos jornais. Nem sequer de criticazinhas. Irrita-se com quem as faz: manda os assessores dar ralhetes aos jornalistas (por vezes classificados de "jornaleiros"), puxa-lhes ele próprio as orelhas sempre que tem oportunidade para isso e os profissionais da informação lho consentem (há quem tenha estômago para tudo). Uma vez mais, isso aconteceu. O primeiro-ministro perdeu as estribeiras com o destaque dado em Lisboa aos dislates do seu ministro da Economia. Esteve a um curto passo de rotular os jornalistas de anti-patriotas. Nem seria de estranhar. Onde é que eu já ouvi isto?
4. Não me custa nada entender o motivo que leva Sócrates a manter Manuel Pinho no Governo, até contra a opinião de algumas das vozes mais lúcidas do seu partido. Enquanto tiver por perto o titular da Economia, recordista das boutades no Executivo, o chefe do Governo verá muitas das críticas que lhe seriam dirigidas à partida encaminhadas para o autor dos dislates. Dá sempre jeito a quem está na ribalta política ter alguém deste quilate assim à mão...
5. Esta visita à China destinava-se, fundamentalmente, a promover "oportunidades de negócios" junto das empresas portuguesas. Para tanto abriu-se uma nova linha de crédito. Já não têm conta as linhas de crédito que se abriram nas últimas duas décadas, sempre que um Presidente da República, um primeiro-ministro ou um ministro da Economia se deslocam à China. Estas "linhas" ficam quase sempre por preencher. Os nossos empresários adoram viajar à conta do poder político. O problema é investir: dá muito mais trabalho.
6. É assim que se promove Portugal no exterior? Na sua corridazinha em Pequim, para meros efeitos de propaganda, Sócrates fez-se fotografar com um fato de treino em que se destacava um enorme logótipo da uma multinacional europeia. O primeiro-ministro pareceu esquecer-se que existem em Portugal excelentes empresas do ramo têxtil que fabricam equipamento desportivo e fornecem inclusive várias multinacionais. Se isto é maneira de divulgar Portugal no exterior, vou ali e volto já. Em passo de corrida.
7. Leio no Público de hoje que a EDP poderá alienar os 21% que detém na Companhia de Electricidade de Macau. Ao mesmo tempo, a Portugal Telecom desistiu de entrar na televisão por cabo do antigo território sob administração portuguesa. E no entanto se há parcela da China onde Portugal tem à partida "oportunidades de negócios" é precisamente Macau. Mas nem os laços históricos nos valem. E as enfatuadas proclamações de optimismo oficial muito menos.