quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Memórias devoradas ao amanhecer

Vivi uns tempos em África. Sem fazenda no Quénia ou baile no Polana, pois quando cheguei África já era o que é hoje. Um lugar de guerras, de morte e doença. E lembrei-me disto por causa de 'Diamante de Sangue', como antes aconteceu quando vi "Hotel Ruanda" e o "Fiel Jardineiro". O lugar está em mim por muito que pareça frase feita. Porque é. África é assim mesmo.
Um imenso continente de solidão onde a vida não conhece disfarces e, por isso, a nossa sofisticação de europeus não dá a resposta para a miséria, a violência e a insanidade de milhares de seres humanos. Gente que nunca saberá o que é o direito a uma existência normal. Antes do conhecimento, virá a malária, a sida ou um tiro perdido numa luta de gangs no Soweto. E, se a tudo isto sobreviver, ficará escrava de uma sociedade armadilhada onde é mais fácil roubar que encontrar emprego.
Dramas repetidos que, conforme nos habituamos ao lugar, se vão diluindo na paisagem. Porque África, aquela que me ficou na alma, é também a insignificância do indíviduo. Todos os dias, apesar de todos os crimes, o sol enorme e vermelho por-se-á no fim da recta da auto-estrada, mesmo por detrás de um jacarandá em flor. Um pouco antes de, no céu, se formar um exército de nuvens negras prontas para desabar sobre as nossas cabeças, numa trovoada libertadora.
Terei saudades? Não. Em África as memórias são devoradas pelo amanhecer.

Imagem: fotograma de Hotel Ruanda