A ditadura do ruído
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“Em países civilizados, na Suécia e na Inglaterra, já é possível adquirir nas livrarias e nos quiosques guias de restaurantes, de hotéis, de comboios e de comércios sem "Musak" e sem televisões abertas. Começa a ser de bom-tom apreciar o silêncio. Nalgumas elites, o sinal já foi dado. Dentro de alguns anos, as classes médias, os intelectuais e as profissões liberais começarão a dizer que o barulho é próprio do povo, que a música empacotada é possidónia e que o silêncio é chique”, escreveu Barreto.
Em qualquer momento do quotidiano, o ruído irrompe. E nem a morte, que outrora convidava à meditação, ocorre sem o ruído de múltiplas campainhas. Num velório, é agora usual escutarmos autênticos despiques de telemóveis, cada qual a competir mais alto do que o outro em volume de decibéis. À saída de um funeral, seja de quem for, o povo habituou-se a aplaudir freneticamente a urna, como se estivesse no Coliseu dos Recreios: “The show must go on”, com fanfarra a preceito. Comunicar pelo silêncio tornou-se uma bizarria, olhada de soslaio. Incomoda, perturba. Lá vamos, pois, cantando e rindo, cada vez mais alto: siga a banda no coreto, o foguete estentórico, a batida de discoteca, a palavra de ordem, o berro ao virar da esquina, o anúncio gritado, o “toque polifónico” que não tem fim...