Tudo em família
É possível traçar um retrato fidedigno da decrépita Administração Pública portuguesa, e da justiça em particular, com uma simples notícia de jornal. Aconteceu ontem, num artigo de Graça Rosendo sobre o Tribunal de Contas (TC) publicado no semanário Sol. Revela a jornalista que, apesar das anunciadas restrições a novas contratações neste e noutros organismos do Estado, "só este ano já entraram no TC - por transferência ou requisição - 14 novos funcionários, três dos quais são técnicos administrativos". E vejam lá a coincidência: uma dessas requisições permitiu a entrada "da filha de um dos juízes-conselheiros do TC", que aqui permanecerá um ano, "renovável", para integrar o Departamento de Planeamento e Consultadoria do Tribunal de Contas. Revela ainda o Sol que a jovem licenciada em Direito "tem como única experiência profissional ser 'directora de serviços' na IPSS, de onde foi requisitada". Segue-se mais uma notável coincidência: esta última instituição "é presidida pela mãe, sendo o pai presidente da assembleia-geral".
O pai da menina, contactado pelo jornal, desvaloriza o facto, assegurando que "outros conselheiros têm também familiares no TC". Ele próprio teve outra filha "a trabalhar no tribunal durante três ou quatro meses". Sempre por mero acaso: as coincidências sucedem-se nesta história.
É um quadro tocante: afinal fica tudo em família. Só existe um pequeno problema: quem paga este admirável jogo de cadeiras somos nós.