Na morte de Robert Altman
Morreu Robert Altman, com uns respeitáveis 81 anos. Há muito um dos meus realizadores favoritos, manteve-se activo até ao fim. Ainda há poucos dias vi o seu último filme - Os Bastidores da Rádio, singular celebração do cinema como arte e joie de vivre. Uma película de pequeno orçamento, quase familiar, mas que nos proporciona momentos de inexcedível prazer cinematográfico, neste caso com um punhado de interpretações assombrosas, incluindo a de Meryl Streep num dos papéis mais memoráveis da sua carreira.
Galardoado com a Palma de Ouro em Cannes (por M.A.S.H., em 1970), Altman não cessou de ser um dos artífices mais originais do cinema americano, atravessando as décadas de 70, 80 e 90 sem perder o imenso talento criativo que o notabilizou. E já no século XXI proporcionou-nos uma das melhores longas-metragens dos últimos anos - Gosford Park, espécie de retrato da "luta de classes" na Grã-Bretanha dos anos 30, filmado com imenso sentido de humor e um requinte que este cineasta nunca dispensava nem nas fitas que considerava meros "divertimentos". Era também visível a forma como valorizava o trabalho dos actores, o que levava qualquer intérprete norte-americano a querer entrar nos seus filmes, às vezes a troco de quantias irrisórias.
Algumas das obras dele menos cotadas encontram-se entre as que prefiro. Obras como A Noite Fez-se para Amar (1971), Todos Somos Ladrões (1974), Um Casamento (1978) ou Volta, Jimmy Dean, Volta para Nós (1983) - em que demolia, um a um, sucessivos mitos americanos, com um notável poder corrosivo, sem no entanto dispensar a cada tema um certo olhar de inocência e até de ternura que lhe ficará para sempre associado como imagem de marca. Mas o filme de que mais gosto é O Jogador (1992). Com uma espantosa criação de Tim Robbins e uma longa cena de abertura, sem cortes, que roça a perfeição.
Outra obra dele que me deslumbrou foi Três Mulheres (1977), com Sissy Spacek e Shelley Duvall. Altman valorizava como poucos o trabalho das actrizes, tão malbaratado na actual indústria cinematográfica dos States, que reduz as mulheres a todo o género de estereótipos. Duas das suas actrizes preferidas, Meryl Streep e Lily Tomlin, entregaram-lhe há meses o Óscar honorário com que Hollywood enfim o distinguiu para aliviar uma certa má consciência por nunca lhe ter atribuído um galardão anteriormente pelo seu mérito como realizador.
A distinção tardou, mas chegou ainda a tempo de o consagrar em vida. Robert Altman merecia isso e muito mais. Foi o último dos cineastas clássicos e o primeiro dos modernos americanos. Uma voz verdadeiramente inimitável.
Na imagem: fotograma de Três Mulheres (1977), com Sissy Spacek e Shelley Duvall