Um ou dois beijos, eis a questão
«Vamos lá ver aqui uma coisa. Eu não me importo que as pessoas dêem dois beijinhos. Eu próprio, que sempre vi dar e sempre dei um beijinho, já estou habituado a que me espetem dois beijos na cara, e tenho inclusivamente totalmente treinado o compasso de espera que se faz quando se cumprimenta uma senhora, cuja preferência entre dar um ou dois ainda se desconheça. Agora, não me tirem a hipótese de dar apenas um. Quem veio primeiro, ao contrário do que muitos possam achar, foi o um beijinho, e quem pensa o contrário já está na ignorância do cumprimento lisboeta tradicional e pré-revolucionário. Os que dão um beijinho acham que dar dois beijinhos é à pobre? O beijinho só se dá na bochecha direita? O um beijinho é fascista? Qu'importe. J'suis snob», escreve aqui o Francisco Valente.
Ora o Francisco Valente ou é novo demais para saber destas coisas, ou não gosta de beijar senhoras ou é simplesmente ignorante sobre a volatilidade dos costumes da nossa burguesia.
Posso assegurar-lhe, porque aprendi desde a infância, que se dá um ou dois beijinhos consoante e ao contrário o que é costume pelo vulgo. Se o povo beija a dobrar, dá-se só um ali para os lados da Guia, do Restelo ou do Castelo do Queijo. Se o povo decide imitar, voltam a dar-se dois só para mostrar bem quem é que manda. O que interessa, nestas coisas, é marcar a diferenciação social e o chamado «trend setting». A «elite» inova, o «povo» imita.
Sendo eu alguém que gosta de bochechas femininas e se fartou, com a idade, destas demarcações sociais serôdias, defendo que devem dar-se dois e acabou-se. A não ser, é evidente, que sigamos outros costumes e passemos para os três ou quatro. O risco, esse, é acabarmos como os russos a beijarmo-nos entre homens. Brrrrrrr!