Manhã submersa
Há alturas em que invejo Cioran. Não as suas terríveis insónias, que o levavam a pedalar madrugada dentro até à exaustão, não a pobreza em que viveu em Paris sobrevivendo graças às refeições oferecidas por amigos, mas a sua voluntária condição de apátrida. «O melhor estatuto possível para um intelectual», terá ele afirmado.
Insuspeito de simpatias esquerdistas, simpatizante até da Guarda de Ferro húngara até à Segunda Guerra Mundial, Cioran não compreendia a Pátria (qualquer Pátria) como barreira política ao pensamento nem a língua como colete de forças para a expressão, optando pelo francês para os seus últimos escritos, como aliás o fez em certa altura o seu volátil amigo Beckett.
Há alturas em que o invejo porque também gostaria de ter um passaporte desses, quase inúteis, que me dizem sem lar (Parece que de cor verde e tudo, ou já não será?), que me afirmam não-cidadão. Ou que, por outro lado, me dizem cidadão do mundo, lugar comum esse que serve bem para onde me sinto sem poder efectivamente habitá-lo.
Agarrado a isto, preso nisto, histórica e geneticamente ligado ao Passado e Futuro disto. Isto, claro, é Portugal. Uma das recolhas de textos de Cioran intitula-se «O Infortúnio de Ter Nascido». Eu acrescentaria, «Aqui». Nesta alturas, em que me sinto assim, faço por engolir uma aspirina. Nem sempre passa.