Excessos da propaganda
O problema da propaganda é que a realidade, mais tarde ou mais cedo, faz uma visita. Num artigo que me ficou na memória, crítica a George W. Bush, Paul Krugman chamava a isto os momentos "Coiote selvagem", inspirado nos desenhos animados do coiote e do pássaro bip-bip: muitas vezes, o coiote fica suspenso no abismo, por instantes ainda equilibrado; até que, de repente, se apercebe da falta de chão; e só cai depois de ver o fundo do precipício.
Acho que a metáfora se aplica aos excessos propagandísticos deste governo. Ao contrário do que vi num telejornal, o conselho de ministro informal de ontem, onde foi discutida a presidência portuguesa da UE, no segundo semestre de 2007, não decidiu nada: no actual cenário, estava tudo decidido e, num ano, as prioridades ainda podem mudar. Então, surgiu aquela gente descontente (que o mesmo telejornal desvalorizava, "só uns cinquenta") a estragar a festa, a agir como gravidade.
Mas este post pretendia reflectir sobre Europa. Neste momento, há um grupo de peritos que estuda o que vai fazer ao tratado constitucional. O debate foi lançado por Nicolas Sarkozy, possível próximo presidente francês, que mencionou um "mini-tratado", com o miolo do projecto de Constituição: MNE vice-presidente da comissão, presidente do conselho fixo (fim das presidências rotativas), comissão mais curta, parlamento mais poderoso e, de forma crucial, extensão das políticas onde se aplica maioria qualificada, além das cooperações reforçadas. No menu está tudo aquilo que permite reforçar a Europa política (com directório das grandes potências) ou criar um sistema a várias velocidades. Aliás, não é por acaso que Sarkozy e Merkel (em princípio, o duo que decidirá o essencial) não querem a Turquia na EU, pois esta perturba o reforço do conteúdo político da União.
Entretanto, a Europa apresenta bons indicadores económicos e parece concretizar-se o fim do actual ciclo de lideranças. O momento é propício. Em 2008 ou 2009, haverá condições para se aprovar um novo tratado (mini ou meia dose). A eleição francesa, em Abril e Maio, será decisiva e a presidência portuguesa também deverá ser vital. Entretanto, a leste, a instabilidade dos governos ameaça complicar o plano das grandes potências (tema para futuro post). E que fará Portugal? O mesmo de sempre: tentará defender os interesses dos pequenos países e evitar o directório ou o sistema a várias velocidades, conseguindo o meio termo. E isso não pede momentos "coiote selvagem", mas muito realismo.
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