Carta aberta a Bernardino Soares (2)
Já passou muito tempo, você nunca proferiu a rectificação que se impunha. E no entanto, Bernardino, você não tem sequer a desculpa de pertencer ao núcleo dos velhos resistentes que sacrificaram conforto, bens materiais e às vezes até a própria vida no combate por ideais, podendo por isso ser mais facilmente desculpados quando faziam da liberdade um conceito meramente instrumental, para efeitos proclamatórios, e não um objectivo insubstituível de toda a acção política. Você nasceu com o 25 de Abril, você despontou na vida partidária quando já se tinha visto tudo, ouvido tudo, lido tudo. Não podia ignorar. Não pode ignorar os crimes cometidos em nome do "socialismo" na Coreia do Norte, esse país a que o seu partido acaba de se associar com uma declaração de solidariedade do Comité Central, textos laudatórios no Avante! e sobretudo com uma posição na Assembleia da República que nenhum outro partido subscreveu.
Você, Bernardino, é líder parlamentar, membro do Comité Central e da Comissão Política do PCP. Cargos não lhe faltam: nos últimos anos, ninguém tão jovem ascendeu tão rapidamente no partido. São, por isso, também maiores as suas responsabilidades. Isto leva-me a pedir-lhe uma palavra de demarcação do totalitário regime de Pyongyang, que nas palavras sábias de Mário de Carvalho - um dos mais prestigiados intelectuais comunistas, embora já sem cartão de militante - é "uma monarquia tirânica que só tem trazido desgraça e miséria à sua população". O escritor não concebe que "pessoas de esquerda" exprimam apoio a Kim Jong-il. Aqui para nós, eu também não.
Você ainda é de esquerda, meu caro? Se for, pronuncie-se, arriscando dizer o que outros não falam com receio de represálias internas. Lembre-se sempre: você é da geração do 25 de Abril. O que poderá haver em comum entre a Revolução dos Cravos e o tirano de Pyongyang que sonha com bombas atómicas enquanto condena o povo à fome?