O pecado mora ao lado
Fez ontem 44 anos que Marilyn Monroe morreu. Não era um “número redondo”, mas foi quanto bastou para a efeméride ser assinalada em todo o mundo – e levou até, entre nós, a sisudíssima RTP2 a exibir um enésimo “ciclo Marilyn”. Como se fosse necessário um pretexto destes para pôr em antena obras-primas como Niagara, Os Homens Preferem as Louras, Quanto Mais Quente Melhor ou Os Inadaptados. Tantos anos depois, qual o segredo para tanta celebridade póstuma? É fácil explicar: ao morrer prematuramente, no apogeu da beleza, Marilyn perpetuou o mito da eterna juventude. Ela, como James Dean, entrou sem uma ruga na eternidade. “Viver depressa, morrer novo, ter um bonito cadáver” – alegado lema de Dean, intemporal arauto do excesso de velocidade – tornou-se uma espécie de ideal revisitado às avessas nos nossos dias, em que tanta sexagenária e tanto cinquentão se exibem em páginas de revista com o ar intocável de quem mal dobrou o cabo da adolescência. Nunca como hoje o comércio de ilusões associado à vontade de renegar o envelhecimento esteve tão próspero. Viver de falsas aparências é uma das mais inequívocas bandeiras desta época de narcisos sem causa, que regressaram à contemplação do próprio umbigo após o naufrágio de todas as utopias.
E no entanto, cada vez mais perto de nós, há quem continue a viver depressa e a morrer jovem – não por opção existencial mas pela trágica marca do destino, que teima em restituir-nos os cavaleiros do Apocalipse ao ritmo frenético de cada imagem de telejornal nos abismos do inferno do Médio Oriente ou do continente africano.
Os cadáveres, nessas imagens, nunca são bonitos. É por isso que regressamos ciclicamente a Marilyn e a James Dean. Com eles em reprise contínua no ecrã das nossas vidas, o pecado mora sempre ao lado.