sexta-feira, agosto 18, 2006

A mancha nazi do avô Grass

Durante décadas, chamaram-lhe a "consciência moral" da Alemanha. Do alto do seu púlpito, verbo inflamado e dedo em riste, Günter Grass fulminava os incréus, anunciando-lhes uma aurora redentora. Aurora vermelha, claro. Foi ele, aliás, um dos compagnons de route do "pacifismo" soviético que nos anos 80 bradava a Ocidente "Antes vermelhos que mortos!" Sem se deixar sequer impressionar pela visão dantesca do Muro da Vergonha.
Sabe-se agora que o mesmo arauto da "moralidade" germânica, na juventude, foi voluntário das SS - a mais repugnante tropa de choque do nazismo. Confissão tardia do próprio, ainda para mais contaminada pela natural suspeita (se non è vero è bene trovato, Jorge) de que só o fez agora, rompendo um prolongadíssimo silêncio que durou mais de meio século, para ajudar a vender melhor a autobiografia, que dentro de dias surge nos escaparates.
Sobre a qualidade moral deste pilar da esquerda literata europeia, estamos conversados. Só me espanta que os indignadinhos do costume, aqueles que nunca deixam escapar nenhum comportamento de figura pública ao seu escrutínio crítico e ainda hoje não perdoam um elogio feito há 30 anos por Jorge Luis Borges ao ditador Videla, tenham desta vez permanecido em silêncio, encarando a mancha nazi na biografia do Prémio Nobel de 1999 como um mero devaneio adolescente. Não terão mesmo nada a censurar no comportamento dúplice do avô Grass?