Sobre a invisibilidade (crónica)
A ditadura mediática condena à invisibilidade muitas das coisas inteligentes que nos rodeiam. Ontem, assisti a um concerto, no átrio de São Carlos, que me fez pensar sobre essa condenação e as injustiças que produz. Estavam umas três dezenas de pessoas e, embora eu seja suspeito (devido a ligações familiares) o quarteto tocou de forma magnífica e a música era muito bela.
Quero poupar os leitores a uma longa dissertação sobre as qualidades dos músicos, mas não posso deixar de mencionar aqui o violinista Vasco Barbosa que, quase aos 76 anos, mantém o virtuosismo, dando ainda um extra aos espectadores, a profundidade da interpretação. Os dois últimos andamentos do quarteto de Bedrich Smetana (compositor checo, 1824-1884) atingiram o sublime: foram comoventes e trágicos, causaram-me um sensação de arrepio na espinha.
O ponto deste post era falar da primeira parte do concerto, onde o Quarteto Arcus, (Vasco Barbosa, Klára Erdei, Teresa Beatriz Abreu e Kenneth Fraser) interpretou uma pequena peça do compositor e pianista portuense Óscar da Silva (1870-1958). Não será uma obra imortal, mas tem imensa graça e elegância. A pequena fantasia para quarteto de cordas, Ela, escrita em 1937, possui elementos modernos e impressionistas, é agradável e visual, deve até estar um pouco fora da obra deste compositor, que escreveu sobretudo para piano e é considerado um romântico.
Infelizmente, a obra não está publicada nem gravada. Ela é invisível. Poucos a ouviram, apenas aqueles trinta que se sentaram ontem no átrio de São Carlos.
Porque razão nós desperdiçamos os nossos talentos? Não há justificação nem faz qualquer sentido.
Em Portugal, os media decidiram que os artistas são bestas ou génios; que eles têm de fazer rupturas ou não passam de asnos. Como o tempo demonstra que os génios são raros, tudo se torna inexistente, porque o bom nunca chega.